Modelo 2300 foi o primeiro carro da história da marca a ser fabricado fora da Itália

“ O importado fabricado no Brasil”. O slogan de lançamento do Alfa Romeo 2300 no País foi um marco histórico para a marca italiana. Desde sua fundação, na cidade de Milão, em 1910, jamais um veículo havia sido produzido fora de sua terra natal. O projeto nasceu na Itália, batizado de 102/12, mas foi todo projetado para servir o mercado nacional. A princípio, teria motor com quatro e seis cilindros, porém, a crise do petróleo na década de 1970 fez com que apenas a opção de quatro cilindros fosse colocada em prática.

Na verdade, houve um Alfa Romeo fabricando no Brasil antes, embora o nome do carro fosse outro: FNM 2000 JK. FNM era a Fábrica Nacional de Motores, empresa estatal com portentosa fá­brica no distrito de Xerém, município de Duque de Caxias, região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. Fundada em 1942 para produzir motores aeronáuticos, com o fim da II Guerra Mundial a de­manda por esses motores despencou, e a FNM se viu sem ter o que fazer, até que em 1951 pas­sasse a fabricar caminhões Alfa Romeo sob licen­ça da italiana Alfa Romeo SpA, também estatal, desde 1932. Em 1960 a FNM passou a produzir sob licença o Alfa Romeo 2000 sedã (berlina, em italiano), aqui batizado FNM 2000 JK, sufixo em homenagem ao presidente da República Jusceli­no Kubitschek de Oliveira

Em 1968 a FNM foi absorvida pela Alfa Romeo e em 1973 esta passou a ser controlada pela Fiat SpA. O projeto do Alfa Romeo 2300 já estava em andamento, tendo sido lançado em 1974. A pro­posta do 2300 era vir para disputar mercado com os modelos de alto padrão, como os Dodge Dart e o Ford Galaxie. Seu visual era diferente de todos os carros do mercado naquela época. A dianteira vinha com uma grade com quatro faróis circula­res e o emblema da marca centralizado dentro de uma caixa triangular arredondada. A lanterna tra­seira é pequena com forma retangular, e possui um letreiro com “Alfa Romeo” em prata na tampa do porta-malas. Por dentro, o 2300 trazia mate­riais sofisticados, como plástico que imita madeira no volante de três raios, madeira no painel e ban­cos e revestimentos laterais em couro, além do teto em couro branco multiperfurado.

O motor, sem a opção V-6, veio apenas na versão 2,3-litros de quatro cilindros em linha, com duplo comando no cabeçote, capaz de entregar 140 cv de potência SAE bruta e 21 kgfm de torque SAE bruto. O câmbio era manual de cinco mar­chas com alavanca na coluna de direção, e o sedã era capaz de acelerar de 0 a 100 km/h em menos de 12 segundos e chegar à velocidade máxima de 170 km/h. Hoje um carro com esses números não impressiona, mas se olharmos para o que o 2300 oferecia na época, era algo excepcional. O sedã ainda tinha como destaque seu amplo tanque de combustível de 100 litros, além do espaçoso por­ta-malas de 435 litros.

Agora, imagine encontrar um modelo deste, 45 anos após seu lançamento e em perfeito es­tado. Nossa equipe achou um na Zona Leste de São Paulo e seu estado de conservação é inacre­ditável.

“Eu trabalhava com carreto, recolhendo entu­lhos aqui pela região da Mooca, onde moro des­de que nasci, e prestava serviços para um senhor italiano que morava perto da minha casa. Sempre quando nos encontrávamos, eu comentava sobre aquele belo 2300 76/77 que ele guardava na ga­ragem. Mas nunca quis me vender”, lembra Celso Lupia.

Hoje aposentado, Lupia conta que é apaixo­nado por carro desde sua infância, e não foi algo hereditário. Ele fala que seu pai gostava de carro, mas sua paixão ia muito além. E quando era jo­vem, o Alfa Romeo 2300 era um modelo de luxo, então nunca pensou em ter naquela época por ser inviável, mas décadas depois a história mu­daria.

“O senhor italiano não tinha uma relação mui­to boa com a vizinhança, mas tínhamos afinidade pelos trabalhos realizados. Algum tempo depois de sua esposa falecer, ele chegou para mim e dis­se: “Você sempre quis este carro, certo? Então eu lhe vendo.” Na mesma hora fui até em casa fazer e cheque e comprei-o horas depois”, diz.

Celso explica que após sua esposa falecer, o italiano, por meio da internet, começou a namorar uma conterrânea, então decidiu vender algumas coisas e ficar seis meses na Itália. “Ele tinha uma empresa de estamparia e começou a se desfa­zer das máquinas e por acaso eu estava fazendo um serviço na frente da casa dele e então ele me chamou a fez a proposta” explica. Foi então que surgiu a oportunidade de ter o histórico modelo em sua garagem. Isso aconteceu em 2004.

A paixão por carros de Celso Lupia, passou para seu filho, Marcos Lupia. Os dois têm 13 car­ros ao todo na garagem, entre eles clássicos co­mo Honda CRX 1993, Honda Prelude 1993, Che­vrolet Tigra 1998, Lotus Elan M100 1995, Toyota MR-2 1991, Toyota Paseo 1992, Mazda Miata 1992. D-10 1979 e Fiat 124 1973.

“Todos os nossos carros são extremamente bem conservados, normalmente compramos de pessoas que cuidavam bem dos carros, mas claro que nem todos são assim. O 2300 era tão bem cuidado que tem mais de 60 mil quilômetros roda­dos e o motor sequer já foi aberto. Eu praticamen­te nunca mexi nele, só troquei freios, pastilhas e bombas d’água, e pequenos detalhes de pintura”, explica.

Celso se aposentou há pouco e encontra em seus carros a melhor maneira de permanecer ativo. Dentro da garagem há uma oficina e lá ele passa horas, diariamente. Os carros clássicos não são feitos para serem comercializados, na maio­ria dos casos. É muita paixão envolvida e a parte financeira é deixada de lado pelos donos, até por­que se pegarmos alguns carros, o dinheiro da ma­nutenção e da restauração pode até ultrapassar o valor da compra.

“Já vendi modelos que me arrependi logo de­pois e senti um vazio. Eu realmente não penso em vender o Alfa Romeo, só de ter ele já é motivo de alegria. Têm dias que eu só abro a porta, olho ele na garagem, e aquilo já é motivo de felicidade, só de saber que ele está lá”, exalta.

Passados 15 anos desde a compra do Alfa Romeo 2300, Celso conta que rodou por volta de mil quilômetros e que sai apenas pelo bairro ou para ir ao centro da cidade. Qualquer dano ao carro pode ser muito difícil de conseguir algo ori­ginal, como este é, peça por peça. “Eu tomo mui­to cuidado e a maioria dos modelos 2300 atuais estão acabados, o meu pode ter certeza que é um dos mais, se não for o mais, bem conservado do Brasil”, conta.

Todo cuidado é pouco com um carro tão an­tigo, com tanta história e tão bem cuidado, em todos os detalhes, mas, mesmo assim, Celso fi­naliza: “Carro parado não conta história”.

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