Kwid marca a volta da Renault ao segmento de entrada e promete se tornar a escolha de quem precisa de economia e agilidade nas grandes cidades

Ouvimos clientes, mecânicos e o testamos na pista
Sorrisos por toda parte. Nenhuma ruga de preocupação na testa. Na avant-première promovida às revistas especializadas em julho, os executivos da Renault não conseguiam disfarçar o entusiasmo com o Kwid. Ninguém quis arriscar uma projeção de vendas ou emplacamentos, mas diz muito o fato da unidade da Renault em São José dos Pinhais/PR anunciar a abertura do 3º turno de produção e a contratação de mais de 600 funcionários. Fica claro que a fabricante se preparou para suprir uma alta demanda pelo subcompacto, que chegou às concessionárias em agosto.

O Kwid abriu os olhos de todos graças ao seu desenho que remete a um “mini SUV” e os preços da pré-venda – entre R$ 29.990 na versão básica Life, com direção mecânica, e R$ 39.990 na versão Intense, com sistema multimídia MediaNav. A Renault espera que 60% das vendas sejam da intermediária Zen, que custa R$ 35.390 e inclui 2 airbags laterais além dos obrigatórios frontais, direção com assistência elétrica, ar-condicionado, sensor de estacionamento, rádio com USB e bluetooth, trava elétrica e vidros dianteiros elétricos. Nós testamos essa versão e o resultado você lê a seguir.

“ALTINHO”: Visual agradou em cheio ao públco, bem como a posição de dirigir. Mas colunas “C” são grossas e atrapalham a visibilidade traseira

Peso-pena
Aquele conceito de “carro popular” com motor 1.0, que surgiu nos anos 90, não existe mais. Na época, o termo pressupunha um veículo quase depenado de tão básico. Com o tempo, ganhou equipamentos, potência e medidas internas e externas ao acompanhar a exigência do consumidor. Contudo, ficou mais caro. Exceto pelo Chery QQ e a versão mais básica do Fiat Mobi, hoje não há outros carros zero-quilômetro à venda no Brasil por menos de R$ 35 mil.

De certo modo, o Renault Kwid consolida a volta dessa fatia de mercado ao oferecer um pacote honesto para quem precisa se deslocar pela cidade com agilidade e quer gastar o mínimo possível nos postos de combustível. Construído sobre a nova plataforma CMFA da Aliança Renault-Nissan, que dará origem a pelo menos  seis carros, o subcompacto de 3,68 metros de comprimento passou por pelo menos 35 crash-tests e mais de 1 milhão de quilômetros de rodagem em diversas condições durante os três anos de seu desenvolvimento.

BÁSICO: Painel na versão Zen não tem conta-giros, mas recebe econômetro e indicador de mudança de marchas

Originalmente concebido para o mercado indiano, a Renault garantiu que o modelo brasileiro não tem nada a ver com o asiático. Sim, o Kwid nacional tem componentes vindos de fornecedores da Índia, mas tem 70% de suas peças fabricadas em países do Mercosul. Além disso, o projeto foi modificado em 80% para atender ao nosso mercado. Isso inclui reforços na carroceria, tratamento acústico e eixos dianteiro e traseiro mais robustos, visando melhoria de estabilidade. O resultado é um carro de 780 kg, ainda muito leve, só que 120 kg mais pesado que o original. 

Interior é espaçoso para o seu tamanho...

... mas o acabamento é bem espartano.

Tudo neste modelo é claramente focado no custo de produção (o que ajuda no preço final) e baixo peso do veículo (o que auxilia no consumo de combustível). Até o motor SCe 1.0 de três cilindros passou por um regime para equipar o Kwid. Ao contrário do que se acreditava, não é o mesmo que equipa a linha Sandero/Logan. É uma derivação simplificada (código BR10LS), cuja mudança mais significativa está no cabeçote, que não possui comando variável de válvulas. Entre outras alterações, o circuito de lubrificação também foi modificado. Com isso, perdeu força. Desenvolve agora 66 (G)/70 (E) cv de potência e 9,4 (G)/9,8 (E) kgfm de torque. Entretanto, a relação peso-potência de 11,2 kg/cv no etanol é a mesma do Volkswagen up! aspirado – modelo igualmente projetado sob medida para ser um subcompacto.

SOLUÇÕES BARATAS Motor 1.0 é econômico. Reservatório de partida a frio é conjugado com o do lavador de para-brisa (FOTO ABAIXO)

Bom na cidade
Durante os 1.000 km que a reportagem da Revista CARRO rodou com o Kwid, deu para perceber que a Renault trabalhou para atender ao gosto do motorista brasileiro. Para quem está acostumado a compactos de entrada com suspensão dura, ele é bem mais confortável que a média ao passar sobre imperfeições do piso.

Os sistemas de suspensão em si são comuns: McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira. Para compensar a ausência da barra estabilizadora, os amortecedores dianteiros ganharam mola contractiva montada dentro dos tubos (outros modelos 1.0 possuem o mesmo recurso).

A altura elevada do solo e os ângulos de ataque e saída ajudam bastante a vencer situações de manobras de estacionamento dificultadas por possíveis guias e rampas. Moradores de grandes cidades agradecem. Infelizmente, as colunas “C” muito largas prejudicam a visibilidade traseira.

A assistência elétrica na direção e os pneus finos (medida 165/70 R14) deixam o esterço do volante leve na medida certa. Combinado ao torque do motor se fazendo presente em baixas rotações, isso deixa o subcompacto bem esperto na hora de driblar o trânsito. O câmbio manual de 5 marchas, projetado exclusivamente para o uso no Kwid, tem engates fáceis e está bem escalonado para o motor.

LEVE DEMAIS: Na pista, o Kwid foi rápido, mas em rodovia ele sofre com a turbulência

A boa impressão se refletiu na pista de testes. Não é o campeão da economia de combustível, mas conseguiu média muito boa de 10,9 km/l no consumo de etanol: fez 9,9 km/l na cidade e 12,2 km/l em rodovia. Em aceleração de 0 a 100 km/h, atingiu 12s34, mais de um segundo mais rápido que os dois concorrentes de mercado eleitos pela Renault: o Mobi com motor Firefly de 3 cilindros e o take up! aspirado. Igualmente, os superou nas três medições de retomada de velocidade por mais de um segundo.

Porém, em autoestradas, o Kwid denuncia que seu habitat natural é mesmo o perímetro urbano. Acima de 100 km/h, carregando mais pessoas além do motorista e com o ar-condicionado ligado, o subcompacto perde muito fôlego. Há também sensível piora no comportamento dinâmico. Em velocidades maiores, a ação da turbulência do ar provocada pelo fluxo de carros e caminhões afeta sua estabilidade direcional. Aqui, alguns trunfos que o fazem tão legal na cidade – grande curso da suspensão, a área de contato reduzida dos pneus com o piso e o baixo peso do veículo – se tornam vilões.

Segundo o Inmetro, ele é um SUV subcompacto

A Renault jura que o Kwid foi pensado desde o início para ser um pequeno SUV. Pelo menos, de acordo com os parâmetros de classificação do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular, o modelo se encaixa na classificação de um “utilitário esportivo subcompacto”. A homologação do Inmetro determina que para ser chamado de “SUV” um veículo deve ter pelo menos 22° de ângulo de entrada (o Kwid tem 24°), 19° de ângulo de saída (tem 40°) e distância de 180 mm do solo (exatamente a medida do Kwid). Assim, existe uma justificativa técnica, mesmo que questionável, para a fabricante o chamar de “SUV dos compactos”.

MECÂNICOS: Sandro dos Santos (esq. acima), Edson Roberto de Ávila (esq. abaixo) e Alberto Martinucci Jr (dir.)

Aprovado pelos mecânicos, mas…
Como se trata de um projeto totalmente novo no Brasil, levamos o Renault Kwid a três mecânicos experientes da Grande São Paulo para saber qual a primeira impressão deles acerca do modelo. Um deles foi Sandro dos Santos, sócio-proprietário da Dr. American Car, na Zona Norte de São Paulo/SP. Especialista nas linhas Dodge e Chrysler, surpreendentemente, elogiou o desenho do subcompacto: “tem uma frente robusta, passa mais sensação de segurança que o Mobi e o up!”.

O espaço amplo para a manutenção no cofre do motor foi elogiado, mas Sandro se impressionou com o quanto são pequenas as peças mecânicas de direção, suspensão e transmissão. “A manutenção desse carro vai ser muito rápida e fácil. Passa a impressão de ser frágil, mas vamos ver no dia a dia. Pode nos surpreender”, declara Sandro.

A mesma impressão teve Alberto Martinucci Junior da oficina Motorfest, na Zona Sul da capital paulista, que achou o Kwid “muito divertido” pela facilidade de trabalho e o tamanho diminuto das peças, que o fez lembrar de antigos modelos nacionais. Especialista nas marcas francesas, ao fim, Alberto gostou do projeto racional e acessível do Kwid. “Para andar na cidade, eu compraria. Como mecânico, a impressão é de fragilidade e fácil manutenção. Acho que vão manter o custo de peças proporcional ao valor do carro”, disse.

FREIOS: Mecânicos estranharam o “vão” entre pastilha e êmbolo da pinça; Kwid foi muito mal no teste de frenagem

No entanto, Edson Roberto de Ávila, que comanda a oficina Mingau Automobilística na cidade de Suzano/SP, notou dois problemas importantes no Kwid. O primeiro é a troca dos pneus. Ele explica que o problema não são os três parafusos (“tive oito Corcéis e nunca caiu uma roda”, contou Alberto da Motorfest), mas sim sua função. O estepe conta com um guia de montagem avulso, porém, no contato entre a roda e o cubo, não há chanfros ou guias de referência para a centralização. O único elemento que faz essa função é a flange dos próprios parafusos. “É difícil alinhar corretamente a fixação do pneu. Imagina numa situação de emergência. Isso é perigoso”, advertiu. 

ESTEPE: Três parafusos não são o problema: faz falta o elemento para alinhar cubo e roda. Só o pino-guia que vem junto ao estepe não é suficiente

A outra preocupação de Mingau está na construção dos freios dianteiros. O êmbolo da pinça de acionamento não tem contato total com a pastilha interna, deixando uma espécie de vão entre as peças. A aparência do projeto em si não é determinante para dizer se o sistema é bom ou não, mas o fato é que o Kwid foi mal durante o teste de fading de frenagem da Revista CARRO. Na série de dez frenagens de 100 a 0 km/h, a diferença entre a distância da primeira (42,04 m) e da décima medição (52,24 m) chegou a alarmantes 10 metros. Para efeito de comparação, o novo Renault Sandero 1.0, testado sob as mesmas condições, foi até melhor na última frenagem (40,74 m) do que na inicial (40,94 m).

A impressão do público
Para colher uma amostra da aceitação do Kwid pelo mercado, pedimos a três pessoas que o avaliassem como se estivessem em uma concessionária. Nossa escolha seguiu o perfil de potenciais compradores conforme o esperado pela Renault: 80% de pessoas entre 36 e 50 anos, de classe C, com família e filhos, e 20% de jovens entre 18 e 34 anos em busca do primeiro carro. Todos moram em São Paulo/SP.

Raíssa Jorgenfelth (esq. acima), Adriana Oliveira Dias (esq. abaixo) e Marcos Chiavelli Puga (dir.)

O taxista Marcos Chiavelli Puga, de 41 anos, é casado e tem uma filha. Dono de um Logan 1.0 com mais de 350 mil km rodados, achou baixo o caimento do teto do Kwid no banco traseiro, mas gostou do espaço para as pernas. Também elogiou a posição de dirigir, mas com ressalvas. “A coluna B é saltada, bate no cotovelo e atrapalha um pouco”, apontou. Exceto por esse ponto, aprovou o subcompacto, inclusive para trabalhar. “Com certeza eu compraria o Kwid para fazer táxi”, cravou.

A estagiária de Jornalismo da Revista CARRO, Raíssa Jorgenfelth, 22 anos, dirigiu o Kwid e sentiu falta do conta-giros. “Não tinha por que economizar nisso”, opina. Ela dá pontos positivos para o grande porta-luvas e para a suspensão. “Achei confortável. Você não sente tanto quando passa pelos calombos no asfalto”. Ela teve má experiência como proprietária de um Sandero 1.6, mas mesmo assim consideraria a compra de um Kwid pelo preço que oferece.

Pneus 165/70 aro 14 foram feitos para a cidade

Já a coordenadora de crédito imobiliário Adriana Oliveira Dias, 37 anos e dois filhos, abriu a porta traseira do Kwid logo de cara e gostou do espaço. “É a primeira coisa que uma mãe observa”, sorriu, elogiando também o porta-malas de 290 litros. Seu último carro foi um Honda Fit 1.4. Sobre o Kwid, perguntou se era econômico e, com a confirmação, afirmou que compraria. “É um carro compacto e bonitinho. Mulher olha muito isso”. Adriana só não gostou dos para-lamas em plástico preto, porque acha que combina mais com veículos utilitários. Ao saber que a Renault definia o Kwid como um SUV, se espantou. “Ele entra como utilitário?! Nossa, não parece”.

 

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