Quer enveredar pelo antigomobilismo? Saiba o que fazer para manter a saúde de seu veículo de coleção em dia

E m um passado não muito distante, no Brasil, o antigomobilismo era um hobby restrito a um pequeno grupo de pessoas abastadas. E não era por menos! Até os anos 90, a proi­bição das importações tornava impossível a vinda de veículos clássicos. Logo, o valor dos ve­teranos que já se encontravam aqui era alto.

Pelas mesmas razões, o custo de aquisição das peças de reposição e ferramentas especiais era elevadíssimo. Para piorar as coisas, como não havia internet, a circulação da informação técnica também era restrita. Assim, montar e manter uma coleção de veículos antigos custava caro.

Mas o tempo passou, vieram a abertura do mercado, internet para troca de informações téc­nicas e programas de TV especializados em res­tauração de antigos. O governo também fez a sua parte: criou a “placa preta” para carros de coleção e suas respectivas vantagens.

O veículo antigo, apesar de ser mais simples e aparentar maior robustez do que os fabricados na atualidade, exige uma série de ações para perma­necer com boa saúde e aparência. É como cuidar de uma pessoa idosa. Ele precisa de carinho. Por exemplo:

Banho de sol

Ele é primordial para a manutenção da saúde de um veículo antigo. Mas cuidado com a dosagem. O excesso provoca queimaduras na pintura. Prin­cipalmente daquelas baseadas em laca (nitroce­lulose ou acrílica). Ajuda aplicar uma camada de cera protetora. Mas evitar a exposição extrema ainda é a melhor solução.

O mesmo ocorre nos materiais do acabamen­to interno. As altas temperaturas que a carroçaria do veículo atinge ao ser deixado por muito tempo exposto ao sol também tendem a acelerar o pro­cesso de deterioração de plásticos e borrachas.

Assim como o excesso, a falta de sol também é prejudicial. Os raios solares são importantíssi­mos para a prevenção da formação de fungos no interior do veículo (bolor). Uma moderada exposi­ção a luz do dia evitará o transtorno.

Atividade física

Assim como os excessos na prática de atividades físicas podem provocar desgaste prematuro, a fal­ta também provoca consequências indesejáveis. O veículo foi feito para rodar. Durante uma imo­bilização prolongada tem-se o escoamento dos lubrificantes para o fundo dos reservatórios. Ou seja, uma parte dos mecanismos (que nunca se encontram totalmente emergidos em lubrificante) fica desprotegida e sujeita à ação do oxigênio do ar (corrosão). Esse fenômeno pode ocorrer nos motores, diferenciais e caixas de mudança, caixas de transferência e sistemas hidráulicos. A graxa dos rolamentos, quando não são movimentados, começa a endurecer.

Retentores de eixo que não giram tendem a deformar e vazar. Isso ocorre nas caixas de mar­cha (manual ou automática), eixo de manivelas e mancal traseiro de motor, diferenciais, bombas d’água, caixas de transferência, entre outros itens. Algo parecido ocorre com os pneus que perma­necem sempre na mesma posição: ficam “qua­drados”. Caso a imobilização por longos períodos seja inevitável, recomenda-se elevar o veículo e apoiá-lo em cavaletes. Vale lembrar que os pneus têm prazo de validade, o qual gira em torno de cinco anos.

Mas não basta apenas ligar o motor e deixá-lo funcionando em marcha lenta até aquecer. O motor precisa fazer um pouco de força. Ou seja, um passeio de 30 minutos toda a semana só fará bem à saúde do seu veterano.

Higiene

Excesso de poeira sobre a carroçaria provoca riscos na pintura, que precisará ser polida posteriormente. O que acaba por desgastá-la. O uso de uma capa com revestimento macio auxilia na conservação.

A lavagem é permitida, mas com os produtos cer­tos. Devem ser evitados solventes a base de petró­leo (atacam a pintura e as borrachas) e jatos de alta pressão (que podem deformar a lataria, provocar infil­trações ou mesmo arrancar a pintura). Xampú neutro, esponja macia e enxágue com água a baixa velocida­de é o que há de melhor. Para enxugar, nada melhor do que uma boa camurça. Não deixe água acumu­lada em frestas, canaletas, sob os frisos (use jatos moderados de ar comprimido para secar) e comparti­mentos fechados.

O interior também precisa ser mantido limpo. Ex­cesso de sujeira acaba por encardir o acabamento. Use sempre produtos neutros.

Aplicação de silicone e outros produtos similares sobre esses materiais? Nem pensar. Alguns desses produtos podem ser agressivos.

Sim, é possível lavar o motor, mas desde que ele esteja frio e o procedimento seja feito por um profis­sional. Devem ser usados desengraxantes biode­gradáveis, protegendo devidamente as entradas de ar, conexões elétricas e centrais eletrônicas. Cuidado com os jatos de água muito fortes: eles podem arrancar as etiquetas de identificação do motor e do seu compartimento. Após lavar, seque tudo muito bem com ar comprimido.

Nada de pulverizar o motor ou a parte inferior do veículo com óleo. Ele deteriora os componen­tes de borracha. Produtos abrilhantadores para pneus e capotas de vinil? Esqueça! Eles provocam ressecamento a médio e longo prazo.

Os cromados devem ser encerados da mesma forma como se faz com a pintura.

Polimento

Somente em caso de extrema necessidade. Deve ser feita por profissional e com produtos de primei­ra linha. Não economize nesse item. A repintura sai mais caro.

Alimentação adequada

Este é um dos problemas mais comuns dos carros antigos “sedentários”. O combustível, em contato com o oxigênio do ar, deteriora com o tempo. Lo­go, deve ser sempre renovado no tanque. A ga­solina tende a formar uma espécie de “goma mal cheirosa”. Se queimada dentro do motor, pode provocar a colagem das válvulas em suas sedes quando for desligado.

Já o etanol pode formar compostos ácidos e um resíduo gelatinoso que entope as galerias dos carburadores. A solução é usar o combustível en­quanto novo e sempre renová-lo.

Para minimizar os efeitos da deterioração da gasolina recomenda-se o uso de gasolina pre­mium, que possui aditivos antioxidantes em maior quantidade. Além de não prejudicar os motores de taxa de compressão mais baixa. O mesmo ocorre com o etanol aditivado.

Cuidados médicos

Além de exercitado, bem alimentado e asseado, o idoso também precisa ter a sua saúde periodica­mente checada e ser adequadamente medicado quando necessário.

Lubrificantes

Os lubrificantes devem ser os recomendados ao modelo e respectivos compartimentos. É permiti­do o uso de lubrificantes mais modernos, de cate­goria de serviço mais elevada.

O mesmo se pode dizer com relação às bases sintéticas ou semi-sintéticas. Quanto maior o grau API mais proteção o produto oferece ao motor. Agora, viscosidades muito diferentes da recomen­dada podem trazer problemas de lubrificação em temperaturas extremas. Melhor não arriscar. Essa observação também é válida para os lubrificantes de transmissão, diferencial e direção hidráulica.

Não é recomendável completar óleo de uma marca sobre a outra. Os aditivos de ambos os produtos podem reagir quimicamente entre eles e causar problemas de lubrificação.

Um outro fator importante é o tempo de per­manência do lubrificante dentro do compartimen­to. Assim como o combustível, o lubrificante, em contato com o oxigênio do ar, deteriora. Caso a quilometragem de troca de um determinado lubri­ficante não seja atingida em 6 meses, recomenda­-se a troca. O mesmo raciocínio deve ser aplicado aos fluidos de freio e aditivos de radiador. Mas o período é um pouco maior: 1 ano a 2 anos.

Graxa onde for necessário

Alguns modelos têm pivôs e cruzetas sem lubrifi­cação permanente. Logo precisam ser engraxa­dos periodicamente. É só conferir se a peça tem o “bico engraxador”.

Peças adequadas

Adaptações? Nem pensar! Se a peça genuína não estiver disponível (nacional ou importada) op­tar pela original ou, em último caso, as paralelas. Fazer adaptação é puxar o pino de uma granada de tempo. Cedo ou tarde ela acaba explodindo na sua mão. È melhor ter paciência e procurar a me­lhor a peça certa.

Manutenção preventiva

O veículo roda pouco deve passar por revisões preventivas. Essa é a única forma de mantê-lo confiável.

Reaperto de abraçadeiras e mangueiras, tro­ca de correias, velas e cabos, tampas e rotor de distribuidor, condensador, platinado, tampa do ra­diador, e filtros são essenciais. Da mesma forma, a regulagem de válvulas e revisão e regulagem do carburador e do distribuidor em função da quilo­metragem recomendada.

No entanto, é sempre bom fazer um check-up completo após uma parada prolongada, antes de sair para um passeio mais longo.

Repouso adequado

O veículo antigo não exige muito do seu local de descanso. Um local coberto, arejado, e bem ilu­minado, mas protegido de umidade excessiva é o suficiente.

*Fernando Landulfo é professor de engenharia mecânica da FMU e consultor técnico das Revis­tas CARRO e O Mecânico

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