Honda Fit e Toyota Yaris têm carrocerias distintas, mas brigam exatamente pelo mesmo tipo de consumidor. Qual se dá melhor nesta disputa?

David Bowie ganhou o apelido de “Cama­leão do Rock” por sua habilidade de se reinventar e transitar entre os diferen­tes sons e ritmos dentro do próprio gê­nero musical – além de seu legado também como ator. Se trouxermos essa discussão para o mundo dos automóveis, o Honda Fit pode ser considerado o “camaleão dos carros”, devido aos diferentes segmentos em que o monovolume concorre desde sua estreia no Brasil.

Na primeira geração (2003-2008), o Fit brigou pela atenção dos consumidores e em preço com os também estreantes Citroën C3 (hatch) e Ford EcoSport (SUV). Na segunda (2008-2014), dispu­tou mercado com Nissan Livina e Fiat Idea (tam­bém monovolumes), Kia Soul (crossover) e Volks­wagen SpaceFox (perua). Agora, na terceira li­nhagem, que estreou em 2014 e recebeu reto­ques na linha 2018, o Fit divide atenções com os hatches Volkswagen Polo e Toyota Yaris. Este úl­timo, não por acaso, chegou ao mercado brasi­leiro no ano passado com motor e câmbio seme­lhantes. Atendendo a pedidos dos leitores, reunimos os dois lado a lado. Qual deles entrega o conjunto mais interessante?

Na análise de porte, o Yaris leva vantagem sobre o Fit em comprimento (4.145 mm x 4.096 mm), largura (1.730 x 1.694) e distância entre ei­xos (2.550 x 2.530), perdendo apenas em altura para o Honda (1.490 x 1.536). O Fit dá o troco na capacidade do porta-malas, com 363 litros – o Yaris comporta 53 l a menos. Nas medidas inter­nas, o Honda também supera o Toyota, com mais espaço para as pernas, cabeças e ombros no banco traseiro. O Yaris, entretanto, acomoda melhor o quinto ocupante graças ao assoalho plano.

Aqui alinhamos as versões de topo dos dois nipo-brasileiros: EXL, no Fit, por R$ 83.300; e XLS, no Yaris, por R$ 81.990. O único opcional de ambos é a pintura metálica, que custa R$ 1.140 no Honda e R$ 1.500, no Toyota.

Ambos trazem conteúdo compatível com a faixa dos R$ 80 mil. De série, vêm com controles eletrônicos de estabilidade e tração, assistente de saída em rampas, múltiplos airbags (sete no Yaris e seis no Honda), bancos em couro, central multimídia com tela tátil de 7 polegadas, volante multifuncional em couro, controle de cruzeiro, re­trovisores ajustáveis e rebatíveis eletricamente, faróis de neblina, ar-condicionado digital automá­tico e engates Isofix. Falta inexplicável nos dois modelos é a dos sensores de estacionamentos na traseira, ainda que tragam câmera de ré (com bons três ângulos de visualização no Fit).

Interior do Honda Fit

Somente o Honda traz faróis e luzes de roda­gem diurna em LED e rodas de 16 polegadas (an­te 15 no rival). O Yaris defende-se com lista maior de itens exclusivos, que inclui sensor de chuva, acendimento automático dos faróis, retrovisor eletrocrômico, chave presencial, airbag de joe­lhos para o motorista, teto solar, duas luzes tra­seiras de neblina (nenhuma no Honda) e alarme também volumétrico (somente perimétrico no Fit). Em custo-benefício, portanto, o Yaris larga na frente.

Boas sacadas do Fit são o porta-copos à es­querda do motorista – em frente à saída de venti­lação – e o exclusivo sistema de rebatimento do banco traseiro, que permite múltiplos ajustes. No Yaris, ponto positivo para a iluminação nos espe­lhos dos para-sois, alerta individual para porta mal fechada e apoio de braço também para o banco traseiro. Aliás, os apoios de braço diantei­ros de ambos poderiam facilmente ser rebatiza­dos de “apoio de cotovelo”, pois ficam bastante baixos e recuados.

Interior do Toyota Yaris

Decepciona no Fit a ausência de pintura no cofre do motor. No rival, ao menos há aplicação de tinta na cor da carroceria, ainda que sem ver­niz. Estranhamente, o Yaris vem com sobretape­tes em carpete de fábrica somente para motoris­ta e passageiro dianteiro – se quiser o conjunto traseiro, o proprietário terá que recorrer a aces­sórios de concessionária.

O acabamento dos dois segue a filosofia ja­ponesa, simples e sem excessos. A simulação de costura no painel do Yaris é de bom gosto, mas os trilhos dos bancos aparentes nos dois não combinam com modelos topo de linha. Re­curso simples e que faz falta no Toyota é o siste­ma que aciona três vezes as luzes indicadoras de direção ao dar um ligeiro toque na alavanca. Ao menos ele é o único a permitir o ajuste fino da ve­locidade dos limpadores de para-brisa, além de trazer dois intervalos para a limpeza do vidro tra­seiro (ante apenas a função intermitente do Fit).

As centrais multimídia de ambos permitem espelhamento de celulares, sob diferentes pro­tocolos. A do Honda, mais prática, é compatível com Android Auto e Apple CarPlay. Já a do Toyota utiliza um sistema exclusivo e bem me­nos ágil, que permite replicar somente alguns aplicativos de navegação. O Fit também leva vantagem pelas duas entradas USB no console, ante apenas uma (sob o apoio de braço) no Ya­ris.

Receita parecida

Mecanicamente, ambos compartilham receitas semelhantes, com motor 1.5 flex e câmbio CVT como ingredientes básicos. No Fit, são 116 cv de potência a 6.000 rpm e 15,3 kgfm de torque a 4.800 rpm. Já a unidade de mesma cilindrada do Yaris entrega 110 cv a 5.600 rpm e 14,9 kgfm a 4.000 rpm.

Motor Honda Fit

Na pista de testes, em Limeira (SP), a dispu­ta foi equilibrada, com vantagem para o Fit na aceleração de zero a 100 km/h (10s9, ante 11s do Yaris) e em retomadas para o Toyota, che­gando a abrir 1 segundo em relação ao Fit na passagem de 40 a 100 km/h (8s1 para o Toyota e 9s1 no Honda). O Yaris também conseguiu menor intervalo na frenagem de 100 a zero km/h, com 40,4 metros percorridos – o rival pa­rou apenas 0,2 metro depois.

Motor Toyota Yaris

O ponto mais crítico do Yaris na pista foi o teste que avalia a resistência ao superaqueci­mento dos freios. Com 200 kg de carga no por­ta-malas e dez frenagens consecutivas a 100 km/h, o hatch estancou completamente até 9,7 m depois da melhor marca registrada. No Fit, o intervalo foi consideravelmente menor, de 3,2 metros – tanto o hatch quanto o monovolume utilizam freios a disco somente no eixo dianteiro.

Em consumo de etanol, o Yaris garantiu a me­lhor média rodoviária (11,9 km/l, ante 11,4 km/l no Fit), enquanto o Honda venceu por margem maior em ambiente urbano (8,3 km/l, ante 7,5 kml/l do Yaris). Com diminutos tanques de combustível de 45 litros, ambos têm autonomia estimada na mé­dia PECO (com etanol) inferior a 450 km.

Mais alto, o Fit possui ajuste de suspensão que evita a rolagem excessiva da carroceria em curvas, mas cobra o preço em pisos ruins (ainda assim, nota-se boa evolução em relação à anti­ga geração). Já o Yaris entrega o oposto, com foco maior em conforto e menos compromisso com esportividade – os dois têm pneus estreitos para o porte, de medidas 185/55R16 no Fit e 185/60R15 no Yaris.

Ambos trazem assistência elétrica na dire­ção, com peso mais adequado no Fit quando em velocidade de cruzeiro. No Yaris, o volante descentralizado em relação ao quadro de instru­mentos incomoda, assim como a ausência de ajuste de distância e a falta de refinamento na hora da regulagem – ele despenca ao soltar a trava.

Na análise de custos após a compra, ambos têm valores baixos de manutenção programada para as três primeiras paradas (R$ 1.175 na Honda e R$ 1.207, na Toyota). Ambos também se saem bem nas cotações de seguro (abaixo de R$ 2.300 no perfil CARRO) e em desvaloriza­ção (menos de 10% ao ano).

No cômputo final, o Fit tem a seu favor o maior espaço para ocupantes e bagagens, a melhor dirigibilidade e o menor consumo urbano e na média PECO, ainda que seja mais caro na hora da compra e tenha menos equipamentos que o rival. O Yaris, por sua vez, entrega um bom conjunto para a faixa de preços, mas mos­tra em detalhes refinamento inferior ao projeto do atual Fit. Na soma total, o Honda ganha a disputa (273 pontos x 254 pontos) e mostra que a estratégia camaleônica pode dar certo não só no mundo da música, como também no univer­so dos automóveis.

Fotos: Renan Senra

Veja a tabela de teste com os números de pista do Honda Fit EXL e Toyota Yaris Hatch XLS:

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