A notícia foi um “furo” do jornalista mineiro Boris Feldman. A ANP (Agencia Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), órgão federal responsável pela regulação das indústrias de petróleo, gás natural e biocombustíveis, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, é uma autarquia federal que executa a política nacional para o setor, com foco na garantia do abastecimento de combustíveis e na defesa dos interesses dos consumidores, assim descrito no site do órgão, www.anp.gov.br.

Pois foi a ANP, por meio da sua Resolução nº 807, 23 de janeiro p.p., que resolveu dar um basta à maneira esdrúxula e amorfa de classificar a gasolina brasileira no que diz respeito a Octanagem. A medida entra em vigor dia 3 de agosto.

Já toquei nesse assunto diversas vezes ao responder cartas de leitores, a forma absurda de classificar a octanagem da gasolina de maneira diversa do mundo, com exceção dos Estados Unidos, igual à daqui.

Para o leitor entender bem essa questão, o número de octanas da gasolina exprime a resistência de parte dela, devidamente misturada com o ar em proporção correta, entrar em combustão espontânea enquanto a combustão normal, iniciada por centelha da vela de ignição, está ocorrendo. Essa combustão espontânea e descontrolada se dá devido ao súbito aumento da pressão na câmara de combustão, por si só descontrolada que encontra a combustão normal com um choque de duas frentes de chama, daí advindo um ruído característico que muitos conhecem por “batida de pino”. Em verdade não há nenhum pino batendo, sendo o ruído chamado em inglês de ‘ruído ping’ (ping noise), em que “ping” foi aportuguesado para pino.

Esse fenômeno é chamado tecnicamente de detonação (detonation em inglês) e é altamente prejudicial para a saúde do motor, capaz de danificá-lo seriamente ou até destruí-lo. Foi exatamente para evitar a ocorrência de detonação que os sistemas de gerenciamento eletrônico dos motores atuais, começando no início dos anos 1990, passaram a ter uma salvaguarda, uma estratégia de retardar imediatamente a ignição tão a detonação ocorra. A informação de que começou a detonação é dada por um microfone especial chamado de piezoelétrico. Este tem a propriedade de transformar uma pressão sonora (ruído) em uma corrente elétrica, sendo colocado junto ao motor, em geral no bloco. Assim que o microfone percebe a “batida” o sinal elétrico chega ao módulo de comando eletrônico, que providencia um retardo imediato e significativo da ignição, o que resulta na eliminação da pressão na câmara de combustão e consequentemente, da detonação. Isso em milésimos de segundo. Passados alguns segundos o avanço de ignição vai voltando aos poucos ao padrão do motor.

Há duas expressões de número de octanas, obtidos por de maneiras diferentes, o Método Motor e o Método Pesquisa (Motor Method e Research Method). O segundo é adotado universalmente pela indústria do petróleo e usado como referência pela indústria automobilística., conhecido como Research Octane Number (RON), e o primeiro, como Motor Octane Number (MON). Ambos traduzem a mesma resistência à detonação, mas o MON é um número menor do que RON. São métodos diferentes, que explico numa próxima coluna, mas são desnecessários entender para onde quero chegar.

Como eu disse acima, nos Estados Unidos é usado um índice antidetonante (ant-knock índex, AKI) e que inexplicavelmente foi adotado pelo Brasil, devidamente traduzido como índice antidetonante, IAD). Tanto nos EUA como aqui o IAD é a média aritmética do nº de octanas MON e RON. Assim: IAD = MON + RON ÷ 2. É bastante confuso porque os fabricantes de veículos a gasolina especificam o requisito de octanagem dos motores em RON.

É tão confuso que a indústria automobilística está pleiteando junto à Environment Protection Agency (EPA), a Agência de Proteção Ambiental, órgão do governo americano que trata também dos combustíveis, passar para octanas RON, igualando-se ao resto do mundo, em especial a Europa. Junto com este pleito tornar a menor octanagem 95 RON, a gasolina mais usada na Europa e não por acaso a especificação da gasolina de maior utilização nos países vizinhos do Brasil. Hoje a gasolina comum (regular) americana é 91 RON. Com 95 RON mínimo a indústria de lá poderá produzir motores mais eficientes, que consumam menos combustível.

Como curiosidade, os Honda HR-V e Civic Touring trazem na face interna da portinhola do bocal de abastecimento a instrução de poderem ser abastecidos com gasolina regular, que não temos aqui desde 1982, quando toda gasolina passou para 82 MON/95 RON, a octanagem da antiga gasolina premium, a gasolina azul. A gasolina comum de antes de 1982, chamada de amarela, era 73 MON/87 RON, de baixíssima octanagem, e que levou ao conceito de que a gasolina no Brasil é de baixa qualidade. Realmente, todo motor para funcionar no Brasil tinha que ter a taxa de compressão bem diminuída para evitar detonação.

Pois é justamente o que a ANP decidiu e que começa em 3 de agosto: gasolinas comum e comum aditivada, 93 RON e gasolinas premium, mínimo 98 RON.

Um parêntese: nossas gasolinas comum e comum aditivada são 95 RON, mas foi especificado 93 RON porque as refinarias mais antigas não conseguem produzir gasolina 95 RON.

A única gasolina premium 98 RON do Brasil é a Shell Racing. A outras duas, Petrobrás Podium e Ipiranga Octapro, são 102 RON. A Podium é a única a ter 30 partes por milhão (ppm) de enxofre; as demais, 50 ppm.

Tudo isso, bem entendido, com a mistura de 27,5% de etanol anidro na gasolina comum e comum aditivada, e 25% nas premium, que continua.

Nessa mudança que ocorrerá em agosto, há outra igualmente importante, a regulação da densidade. A da gasolina é 0,720 kg/L e a do etanol, 0,790 kg/L. Agora todas as gasolinas, independentemente do etanol misturado, terão densidade de 0.715 kg/L. A densidade uniforme é essencial para a perfeita mistura ar-combustível, garantia de menores consumo e emissões pelo escapamento.

Bem-vinda ao Brasil, octana RON!

 


Bob Sharp
Bob Sharp
 é jornalista, foi piloto de competição e teve três passagens pela indústria automobilística. É também o editor-técnico da CARRO e mais um apaixonado por automóveis. Você concorda, discorda ou quer esclarecer algum assunto com o nosso colunista? Envie sua mensagem para: bob@revistacarro.com.br.logo Renault

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