Desde que presenciei a primeira aparição do novo Mercedes-Benz Classe C no Salão de Detroit, em janeiro deste ano, convivi com algumas questões sobre o sedã. “Será que ele é tão bom de dirigir quanto o seu visual? Ficou mais confortável ao rodar? Qual será o seu maior trunfo?” Essas eram algumas perguntas. Felizmente, tais indagações acabam de ser esclarecidas. Graças à força do Grupo Motorpress Internacional (do qual a CARRO faz parte), tivemos não apenas a oportunidade de avaliar o modelo em primeira mão — já que ele será produzido no Brasil a partir de 2016 —, como pudemos compará-lo com seus principais concorrentes.
A versão disponibilizada do Mercedes-Benz foi a C 200, cujo motor é um 2.0 16V turbo com injeção direta de combustível, capaz de produzir 184 cv e 30,6 mkgf de torque. Para utilizar modelos equivalentes como medida de comparação, selecionamos um BMW 320i (2.0 16V de 184 cv e 27,5 mkgf), Audi A4 1.8 TFSI (180 cv e 32,6 mkgf) e Volvo S60 T4 (1.6 16V 180 cv e 24,5 mkgf de torque). E como no mercado europeu esses modelos são vendidos como sedãs “normais” (e não premium, como no Brasil), o Classe C, o A4 e o S60 estavam equipados com câmbio manual de 6 marchas oferecido de série por lá. O BMW, no entanto, possuía a mesma caixa automática de 8 marchas oferecida por aqui. Por estarmos impossibilitados de testar os veículos com câmbios similares, e levando em consideração que o A4 ainda não é vendido no mercado nacional com motor 1.8, e ainda não foram informadas quais configurações do Mercedes Classe C serão vendidas por aqui, desconsideramos os quesitos mercadológicos desse comparativo e focamos profundamente em questões técnicas e de convívio dos modelos.
O local para realizar tal avaliação foi o centro de testes da Bridgestone, localizado em Aprilia (Itália). Na área de 150 hectares do complexo repleto de pistas diferentes, oficinas e laboratórios, pudemos testar os sedãs em seis condições diferentes. A primeira avaliação consistia na realização de três voltas com cada veículo em um trajeto que simulava pisos normais e mal pavimentados, além de sequências de curva em estradas estreitas que simulam estradas secundárias europeias. Nessas condições, quesitos como conforto, retomada, e estabilidade em mudanças de direção em velocidades normais e moderadas poderiam ser avaliadas. A segunda avaliação foi realizada em uma grande área asfaltada, com um trajeto bastante travado delimitado por cones, com um slalom em sua finalização.
Nessa prova, em que cada jornalista teve acesso ilimitado com cada automóvel, as mudanças bruscas de direção em baixa velocidade colocavam à prova aderência dos pneus, equilíbrio do chassi, eficiência do diferencial e controles de estabilidade e de tração. A terceira atividade do dia foi realizada em uma área com dois tipos de asfalto e concreto em péssimo estado de conservação. Nessa prova, na qual o motorista deveria trafegar com todos os veículos em velocidades semelhantes e constantes, era possível avaliar o isolamento acústico dos modelos.
A quarta atividade foi realizada em um circuito oval de 4 km, desenvolvido para atingir velocidade máxima. Nessa pista, cujas retas tinham até sete faixas de largura, era possível avaliar o comportamento da suspensão, da direção e a atuação dos controles de tração e estabilidade em mudanças bruscas de direção em velocidades de até 150 km/h. Na sequência, a quinta atividade consistia em trafegar em velocidades variadas em uma pista circular molhada e com pisos de baixa aderência, para testar estabilidade em pisos limitados. A sexta e última prova consistia em voltas também ilimitadas em um pequeno circuito do complexo de testes, onde era explorada principalmente a 3ª marcha dos modelos, o equilíbrio da carroceria, além de toda a potência e torque gerados pelo motor. Em suma, trata-se de um verdadeiro laboratório para avaliar a dinâmica dos veículos profundamente — e também playground para apaixonados por automóveis.
As máquinas e suas diferenças
Durante todas as avaliações, iniciei as atividades guiando o Volvo, dono do interior mais sóbrio, embora seu painel de instrumentos chame a atenção pelo design pouco convencional. Sua embreagem consideravelmente macia agradou desde o início, assim como o manuseio suave da alavanca de câmbio e direção. Mas, logo no início das atividades, ficou evidente que o S60 T4 estava em um patamar abaixo perante os concorrentes. Nas primeiras retas da simulação de estradas simples europeias, o sedã precisava de todo o esforço do motor 1.6 16V para acompanhar os rivais alemães. E, na hora de reduzir a velocidade para atacar curvas, o pedal do freio não passava um bom nível de confiança, em função do seu curso ligeiramente esponjoso. Mas era nas curvas, tanto das estradas vicinais, quanto dos desvios de direção da pista de cones, que o Volvo revelava o seu ponto fraco: a suspensão.
Embora não deixasse a desejar em termos de conforto, o S60 T4 adernou mais que o necessário em curvas, e “mergulhava” (situação em que a frente se abaixa, e a traseira se levanta, provocando a transferência de peso e uma sobrecarga dos pneus dianteiros) demasiadamente em frenagens mais fortes. Ele mostrou que o melhor modo de conduzi-lo é suavemente, ou seja, sem tocada esportiva. Nas conversas entre os jornalistas, o veredito era sempre muito próximo: embora um pouco apertado e com o menor porta-malas do comparativo, trata-se de um veículo correto e seguro, mas com pouco apelo para quem gosta de dirigir. Somado com o pior desempenho em aceleração, retomada e frenagem, o Volvo ocupou a quarta colocação na avaliação.
Na ordem selecionada, o Audi A4 1.8 TFSI era sempre o segundo veículo a ser avaliado, e mostrou habilidades dinâmicas nitidamente superiores às do concorrente da marca sueca, e essa é uma constatação surpreendente. Lançado no mercado europeu em 2008, o sedã da Audi é o menos atualizado do comparativo — o atual Série 3 foi lançado em 2012, e o Volvo S60, em 2010.
Embora o acabamento interno do A4 já comece a parecer desatualizado em comparação com a concorrência, sua construção é primorosa, a qualidade dos materiais utilizados, boa, assim como a sensação de espaço no banco traseiro. Outros detalhes que fazem a diferença para o condutor são a boa posição de dirigir, a proximidade da alavanca do câmbio do volante, e a sua própria empunhadura. E nos quesitos dinâmicos, o modelo de Ingolstadt também mostrou maturidade exemplar. O motor 1.8 TFSI mostrou torque agradável em baixas rotações, compensando as relações longas do câmbio manual de 6 marchas — em 2ª, por exemplo, é possível superar os 120 km/h antes do corte de giro ocorrer.
O acerto e o equilíbrio da estrutura também chamaram a atenção: além oferecer conforto e passar agradável sensação de solidez ao trafegar, o sedã não apresentou grandes oscilações em frenagens ou curvas bruscas, e mostrou-se surpreendentemente dócil nas pistas de baixa aderência e no pequeno circuito disponibilizado como prova final no test-drive. Mesmo já sentindo o peso da idade, o A4 consegue se posicionar como veículo muito bem resolvido tecnicamente, especialmente em relação ao Volvo S60. Todavia, BMW 320i e Mercedes-Benz C 200 mostram estarem posicionados em um patamar acima em termos técnicos, o que acabou lhe rendendo a terceira colocação na soma de nossas análises técnicas. Mas, a grande surpresa, é que a principal novidade deste comparativo conquistou apenas a segunda colocação no comparativo.
Já o novo Mercedes-Benz C 200 mostrou inúmeras melhorias em relação à versão anterior.
O acabamento interno está muito mais primoroso, embora duas características em especial tenham desagradado durante a avaliação: os bancos revestidos de couro da unidade avaliada eram muito duros, tornando a condução cansativa. E as portas, não se sabe se por conta da leveza, ou da guarnição de borracha dura, apresentaram dificuldade para serem fechadas, exigindo força acima do esperado. Por outro lado, o interior do Classe C é espaçoso e aconchegante, seu motor 2.0 tem desempenho satisfatório, e torna-se nítido que a Mercedes-Benz trabalhou para tornar seu modelo mais refinado e confortável.
O C 200 tem uma característica intrigante no primeiro momento. Ele é quase tão confortável quanto o Volvo S60 e também, quase tão ágil quanto o BMW 320i em provas dinâmicas — algo que, do ponto de vista de percepção do motorista, não aparenta ser. Ou seja, ele faz todo o seu trabalho de forma neutra e discreta, sem se preocupar em envolver o motorista com a experiência de condução. Sua carroceria não aderna demasiadamente nas curvas, e a direção é leve, porém, rápida — talvez, até demais para o conjunto. Essa falta de comunicação e conexão ao dirigir, os bancos pouco aconchegantes, somados ao fato de que o BMW 320i é um modelo confortável, apesar de toda a esportividade, colocaram o Mercedes-Benz C 200 como o segundo colocado nos quesitos técnicos.
Apesar de não ser o maior atrativo do evento, o BMW se destacou na opinião dos jornalistas. Sua receita permanece sendo vencedora, mesmo perante o totalmente novo Classe C. O 320i apresenta bom acabamento interno, porta-malas com capacidade similar ao dos concorrentes e, em alguns momentos, seu desempenho foi até mesmo inferior ao do C 200. Todavia, o BMW ganha pontos em características que mesmo números não conseguem mensurar a relevância na prática, mas que lhe deram a justa primeira colocação.
Somadas as características citadas acima, o BMW 320i conta com a melhor posição de dirigir, oferece maior agilidade em mudanças de direção e o sistema de direção, além de contar com um volante cuja espessura permite ótima pega, comunica o motorista com precisão sobre os tipos de esforços e condições que os pneus estão enfrentando. O modelo da marca sediada em Munique cumpre o seu papel de oferecer versatilidade e conforto, mas proporciona uma diferença fundamental em relação aos competidores: muito prazer ao dirigir.
Conclusão:
1º BMW 320i: 182 pontos
Avaliado pelo ponto de vista puramente técnico, o BMW 320i mostra notável superioridade frente os concorrentes. Seu isolamento acústico é o menos eficiente, e a suspensão é a mais firme entre os concorrentes, tornando-o o veículo menos confortável do comparativo — embora, que fique claro, ele passe longe de termos como “desconfortável”. Seu assentos, por sinal, são muito aconchegantes. Em contrapartida à dose ligeiramente inferior de conforto, quase todos os jornalistas mostravam-se animados na hora de assumir o volante do BMW durante a avaliação. Isso porque o modelo da marca bávara oferece a maior dose de prazer ao dirigir. Seu câmbio automático de oito marchas funciona de modo suave e ágil, o motor é elástico, e o volante copia com notável precisão o tipo do piso em que o veículo está trafegando, e os esforços pelos quais os pneus estão passando. A suspensão faz sua parte ao manter a carroceria equilibrada mesmo nas mudanças de direção mais bruscas, enquanto o comportamento oferecido pela tração traseira fecha o pacote da ótima dinâmica do sedã. O 320i ainda oferece espaço interno na média e bom acabamento interno. Uma receita basicamente infalível.
2º Mercedes-Benz Classe C 200: 178,5 pontos
A impressão dos jornalistas foi unânime: o novo Mercedes-Benz Classe C apresentou notável evolução em relação à geração anterior, especialmente no design interno e externo. Embora os bancos da unidade testada tivessem rigidez um pouco acima da média, e as portas tenham apresentado resistência para serem fechadas, o sedã agora parece pertencer a uma categoria superior. Ele também tem melhor dirigibilidade se comparado ao seu antecessor, mas, ainda assim, não atinge o mesmo compromisso oferecido pelo BMW.
3º Audi A4 1.8 TFSI: 176,5 pontos
O Audi A4 1.8 TFSI surgiu como uma agradável surpresa na bateria de testes no complexo da Bridgestone. O sedã da Audi não se destacou em todas as avaliações, mas sempre mostrou comportamento de chassi, suspensão e motor satisfatórios. Tal desempenho torna-se consideravelmente bom ao levarmos em conta que, embora já tenha passado por face-lift, a atual geração do A4 foi lançada em 2008. O sedã também tem ótimo espaço interno e porta–malas na medida, que colaboraram para seu ótimo resultado.
4º Volvo S60 T4: 166,5 pontos
A última posição do Volvo S60 T4, por grande diferença na pontuação, não indica se tratar de um veículo ruim — embora tenha deixado a desejar. Além de não se destacar no espaço interno e porta-malas, o sedã não acompanha is rivais na parte dinâmica e prazer ao dirigir. Ele é um veículo inquestionavelmente seguro, mas a suspensão permite que a carroceria aderne demasiadamente em curvas e frenagens, tornando a sua dirigibilidade muito limitada. O interior, embora bem acabado, sente falta de uma “pitada de sal”.
Pontos de vista
Xia Dong, da China: “Gosto de como o Mercedes-Benz realiza curvas de modo tranquilo e relaxante, mesmo em slalom. A BMW é mais imediata e tem reações mais diretas.”
Jan Harry Svendsen, da Noruega: “O Classe C é dinâmico sem sacrificar o conforto. O ESP demora para atuar, mas quando funciona, é de modo rigoroso.”
Rafael Guiltart de la Torre, da Espanha: “A Mercedes melhorou consideravelmente em dirigibilidade, sem comprometer o conforto. Mas a BMW ainda é dona da melhor dinâmica.”
Kristijan Ticak, da Croácia: “O C 200 se comporta como um Audi, mas o mais divertido de dirigir é o BMW. E o A4? Ele ainda está no nível dos rivais.”
Gilberto Islas, do México: “O Mercedes-Benz oferece condução mais relaxada e balanceada. A dirigibilidade do BMW, porém, é muito mais esportiva.”
Adrian Dragan, da Romênia: “O Audi A4 ainda é um veículo muito bom, mesmo que exiga mais trabalho no volante, se comparado ao BMW 320i.”
Teste profundo
Pode até parecer, mas a vida de jornalista não é fácil. Muitas pessoas romantizam, por exemplo, a ideia de ir a outros países para avaliar carros — algo que, inegavelmente, é sempre muito interessante. Mas qualquer tarefa bem feita dá trabalho, não importa se falamos de construir uma ponte, fazer um gol contra o Bayern de Munique ou escrever uma matéria. E ir a Aprilia (Itália) para realizar esta reportagem foi um desafio reforçado por cansaço — mas atenuado por doses de espresso dopio.
Aterrissei na Itália durante a tarde de um sábado, passamos o domingo e a segunda-feira inteiros na pista, e retornei ao Brasil já na terça-feira. O complexo de testes da Brigestone é impressionante: um laboratório estruturado para levar automóveis (e jornalistas) ao limite em segurança — atrás de mim na foto cima, por sinal, está a pista de teste de aderência em piso molhado, a qual apelidei de “pista de drift”.
O “combo” formado por fuso horário diferente, longas horas buscando o limite dos veículos em situações diversas, trocar informações com jornalistas de diversos países, e a alimentação farta, especialmente nos jantares (típico dos italianos), atrapalham o sono e exigem concentração para manter a constância nas avaliações. Cansa. Mas não atrapalha o empenho e o prazer de quem ama a profissão.