Picapes: novata, Duster Oroch bate Strada e S10

O equivalente automotivo de não encontrar o tamanho certo de uma roupa pode ser encontrado no segmento das picapes. Veja, por exemplo, a S10 e a Strada, ambas com cabine dupla. Mais de R$ 19.700, 553 kg e 87,6 cm separam as etiquetas das líderes de seus respectivos segmentos. Diante desses números, a questão não é mais se há mercado para a Renault Oroch, e sim “Por que ela não veio antes?”

A Renault apresenta a Oroch como resposta a esse buraco na tabela e na ficha técnica das picapes com cabine dupla. Mas a novidade não fica exatamente no meio dessa disputa.

Na prática a picape da Renault é mais próxima da líder Strada. Ambas são derivadas de veí­culos de passeio, possuem construção monobloco e não oferecem opção de motor a diesel, à diferença da Chevrolet S10.

Por isso (aviso: spoiler) o último lugar da picape da GM neste comparativo não deve ser visto como algo ruim. A S10 tem projeto mais antigo, de carroceria e chassi separados, mas nem por isso ela é pior. E vale destacar que levamos em conta na análise a versão Advantage 2.4, mas na ocasião das fotos deste comparativo a marca só tinha disponível para empréstimo a 2.5 LTZ 4×4, opção mais cara com motor flex. 

Claro que a S10 não está aqui só para ilustrar. Por ser a porta de entrada nas picapes médias de cabine dupla, a versão 2.4 entrega espaço, mas sem desempenho proporcional. Do lado oposto fica a Strada Adventure, que foi recheada na série especial Extreme para compensar a limitação de sua carroceria. E (quase) no meio estreia a Oroch.

Ainda que faça parte do nome do carro, vamos deixar o nome “Duster” de lado a partir de agora. A Oroch tem muito mais que uma caçamba de diferença para o SUV, mas ela repete outras características de seu “irmão” para atrair consumidores cansados do aperto das picapes compactas.

DIFERENÇA NOS DETALHES 
Os itens de série da versão Dynamique da Oroch repetem os equipamentos do Duster homônimo. Temos direção hidráulica, ar-condicionado analógico, trio elétrico e sensor de estacionamento. Nada que a Strada Adventure não tenha, diga-se. As diferenças da Renault ficam no sistema multimídia com GPS, controlador e limitador de velocidade e, claro, nas quatro portas convencionais. 

A Fiat também é bem equipada e tem itens indisponíveis na Oroch, como retrovisor interno eletrocrômico, teto-solar elétrico e diferencial bloqueável Locker — mas todos são opcionais. A mais que o Renault, a Strada tem apenas faróis de milha, que são vendidos como acessórios na rival feita no Paraná. Pelo pacote, a Fiat cobra R$ 67.110. 

A versão da Oroch avaliada pela CARRO custa R$ 70.790. A diferença sobe em comparação com a S10 Advantage, que custa R$ 86.900, mas é menos equipada. Nela faltam sensor de ré e GPS, que depende de um aplicativo de celular. 

A simplicidade da S10 é inversamente proporcional ao seu tamanho e se reflete na ausência do encosto de cabeça e cinto de três pontos para o quinto passageiro. Sua virtude está nas medidas avantajadas, que permitiram à Chevrolet obter as melhores notas no quesito carroceria.

Neste aspecto, a estreante da Renault está mais próxima da S10 do que da Strada. Nas duas primeiras é possível a dois adultos no banco traseiro manter seus joelhos afastados do encosto dianteiro, enquanto a Fiat exige paciência e compreensão de quem for atrás. Ao menos a Strada é mais honesta, pois assume ser capaz de levar apenas quatro pessoas. A Oroch até leva cinco adultos, desde que eles não se incomodem com os ombros colados, devido à largura relativamente contida do projeto da linha Duster, Logan e Sandero.

APERTOU
Em nossa avaliação, o espaço para os joelhos de quem vai atrás não foi prejudicado na Oroch, mas a sensação de aperto é grande em relação ao Duster. E a culpa recai sobre três mudanças. Para aumentar o volume da caçamba (que é côncava na parede junto à cabine), o banco traseiro foi elevado, encurtado e o encosto ficou cinco graus mais vertical. Não chega a ser incômodo, mas pode provocar reclamações dos mais altos, principalmente em viagens longas. 

O ponto positivo vai para o desembaçador elétrico, item muito útil em carros em que a cabeça dos passageiros fica mais próxima do vidro traseiro e  facilita a condensação em dias chuvosos. Mesmo sendo menor que o do Duster, o interior da Oroch ainda é imbatível se comparado ao da Strada. A única vantagem do Fiat é oferecer um acesso melhor ao banco traseiro, mas só pela direita, onde fica a porta de abertura reversa.

A dupla compartilha os pontos fracos de seus projetos. A Fiat repete as características do Palio de 1996, com as saídas de ventilação em posição muito baixa, enquanto a Renault insiste no pouco prático botão de regulagem dos retrovisores abaixo do freio de estacionamento e no puxador ruim das portas traseiras.

O sistema MediaNav da Oroch é rápido e eficiente, mas a tela mal localizada dificulta a leitura em dias ensolarados — nessa situação você também precisará lidar com o sol refletindo no acabamento preto brilhante do painel. O navegador oferecido como acessório na Strada é mais bem localizado, mas seu visual simplório e seu funcionamento confuso pesam contra. Correndo por fora, a S10 aposta no sistema MyLink, rápido e bem integrado ao celular.

A picape Chevrolet acaba compensando com seu desenho mais moderno. A ergonomia dela é melhor e seu acabamento deixa pouco a desejar em relação ao das rivais menores. A saber, não espere pespontos detalhados e interiores rebuscados no trio, que abusa do plástico rígido.

VOCÊ TEM A FORÇA
A Renault só se aproxima das picapes médias em um aspecto ruim: a tampa da caçamba. Sem molas de auxílio (exclusividade da Volkswagen Saveiro), a peça exige força para ser erguida. Ao menos ela não é facilmente removível e o parafuso que abaixa o estepe, preso sob o assoalho, só pode ser acessado com a caçamba aberta.

Até aqui, o resumo não é surpresa: a Oroch se posiciona entre Strada e S10 quando o assunto é espaço interno, equiparando-se à Fiat no quesito acabamento e ergonomia. A disputa só começa a mudar para valer quando levamos o trio para a pista de testes.

SEM PRECONCEITO 
A Duster Oroch é 60 kg mais pesada, 36 cm mais longa e seu motor 2.0 16V manteve os 148 cv presentes no SUV. Seu desempenho deve ser, no mínimo, levemente pior que no SUV, certo?

Errado. Em nossos testes, a Oroch acelerou de 0 a 100 km/h em 10s2 — quase 0s5 mais rápida que o Duster equivalente. Claro que não há mágica aqui: isso só foi possível porque a Renault reduziu o diferencial (ou seja, afetando todas as seis marchas) em 7%. Como era de se esperar, isso prejudicou o consumo rodoviário, que foi de 9,1 km/l, contra 9,5 km/l no Duster. Mas a Oroch foi melhor na cidade, registrando um consumo médio de 7,8 km/l, virtualmente igual ao “irmão”.

De quebra, a picape da Renault se valeu dos novos pneus de uso misto Michelin para dar show nas frenagens. Foram quase quatro metros  a menos no teste vindo a 100 km/h, oferecendo um desempenho similar ao da Strada, mais leve.
A suspensão traseira multibraço é firme e a melhor do comparativo, entregando uma dinâmica superior na terra e no asfalto. Não é um carro que você vá acelerar a cada curva, mas ao fazer isso você não vai sentir (tanta) falta do controle de estabilidade e tração, ausente de todos as três picapes analisadas.

A Strada carece de uma direção mais refinada e de um motor com mais torque em baixas rotações.  O E.torQ 1.8 16V exige constantes trocas de marcha para manter o Fiat com fôlego, e a alavanca de curso longo e engates ruins não ajuda.

Sendo 1 cv mais fraca e 460 kg mais pesada que a Oroch, o desempenho da S10 só é aceitável para quem anda com a caçamba vazia na maior parte do tempo. O motor 2.4 sofre em retomadas, mesmo quando carrega somente um motorista. Os pneus de perfil alto e a suspensão traseira com eixo rígido não agradam em curvas acentuadas e fazem a carroceria “quicar” em ondulações. Só a enorme caçamba se destaca diante das rivais menores.

As picapes compactas sempre foram alternativas mais confortáveis e práticas a quem não busca (ou não podia ter) uma picape média. Mas faltava uma opção a quem estava disposto a pagar mais por um modelo ligeiramente maior sem abrir mão do conforto de rodagem. Para quem está entre os extremos das picapes, a nova etiqueta M veio em boa hora no segmento.

VEREDICTO: A OROCH VENCEU
A Renault fez bem em aproveitar a base do Duster, que tem no espaço interno sua maior virtude, para fazer sua primeira picape no Brasil. A Oroch não é tão espaçosa como o SUV, mas supera – e muito – a Strada nesse quesito. A opção pela suspensão traseira multibraço combinou com as marchas mais curtas e deixou a picape gostosa de dirigir. O motor tem bom torque em baixa e os pneus entregam boa aderência e ruído baixo. 

A marca espera que os donos de Oroch deixem a caçamba na maior parte do tempo vazia, e isso explica seu volume idêntico ao da Strada. Truques como o fundo côncavo garantem o melhor aproveitamento da caçamba, mas a pesada tampa é algo a ser corrigido com uma mola convencional ou a gás no futuro. A cabine também precisa ser melhorada, sobretudo em detalhes como o mau posicionamento do GPS, nos puxadores das portas traseiras e nos comandos do ar-condicionado, que poderia ser digital na versão topo de linha. Mas, mesmo sem essas melhorias, a Renault Duster Oroch dá um banho nas picapes médias.