Farol e celular têm histórias parecidas. Antes que você ache isso uma loucura, trata-se de um paralelo sobre a evolução conceitual dos dois objetos. Se hoje um telefone móvel tem funções que transcendem seu propósito inicial, um passeio pelo Audi Future Lab, em Ingolstadt, na Alemanha, deixa evidente que os conjuntos ópticos dos carros já superaram a função básica de iluminar – e são verdadeiros olhos para a marca.
Este foi o foco principal do workshop “Tecnologia da iluminação e design”, no centro de desenvolvimento da Audi. Depois de um passeio digno de ficção científica, em elevadores espaçosos e enormes galpões com portas pantográficas gigantes fechadas para esconder segredos, chegamos a um espaço com iluminação reduzida. Justamente o lugar onde os engenheiros e projetistas da Audi “brincam” com as luzes.
O fabricante baseia a tecnologia da iluminação dos carros em três pilares, justamente os temas dos módulos do workshop: estética, dinâmica e interação. Ou seja, as luzes que equipam ou vão equipar todos os Audi por dentro e por fora devem obedecer a essas três funções. “Como designers de luz, queremos fazer os olhos da Audi. Criamos várias personalidades e tecnologias, mas todas com a assinatura Audi”, diz Cesar Muntada, diretor de design de luzes da marca.
Marketing à parte, o laboratório da Audi faz ensaios, testes, simulações virtuais e reais que mostram que o futuro está bem próximo na maior parte das vezes. E o cartão de visitas foi o novo R8, devidamente coberto e apenas com os faróis sutilmente à mostra – o renovado esportivo foi apresentado nesta semana no Salão de Genebra. O conjunto óptico do cupê ganhou tecnologia a laser que aumenta em mais de 100% o alcance da luz.
O ganho é impressionante. O facho de iluminação passa de 50 m para 120 m de alcance. O “suficiente” para focar – e deixar evidente aos olhos do motorista – o simpático Rud, um javali atravessando a estrada que, no farol alto simples, não estava perfeitamente nítido. “Não queremos o alcance de 500 m. Queremos enxergar os obstáculos. Essa é a base do desenvolvimento”, revela Stephan Berlitz, diretor de tecnologia de faróis e iluminação da Audi.
DINÂMICA
Começamos o workshop pelo módulo “Dinâmica”, que tenta combinar materiais para dar movimento à iluminação dos carros. Viagens de designers? Nem tanto. Logo de cara, um painel com 300 esferas de alumínio mostra o nome da Audi em uma forma tridimensional. Mas à medida que nos movemos, o nome dá lugar ao logo do fabricante, as quatro argolas.
Dessa forma, os projetistas fazem ensaios em busca da movimentação das luzes: seja por perspectiva ou por tecnologias avançadas. Como uma maquete de uma traseira de um A3 em que no lugar das lentes convencionais foi colocada uma superfície em forma de tela.
A luz percorre toda a superfície e quanto maior a velocidade do carro, mais rápido o movimento destas luzes. Como se fosse um enxame de insetos. Setas, engate da ré, freadas… e os movimentos se alternam. “Esperamos que isso possa ser implementado através dos leds orgânicos”, avisa Wolfgang Huhn Leiter Licht, diretor de luzes e visibilidade.
Esta é uma das muitas apostas da Audi. Os leds orgânicos, ou Oleds, já são usados no carro-conceito Prologue, que também faz sua estreia no Salão de Genebra. Mas a ideia é que já sejam aplicados em carros de série da marca dentro de três ou quatro anos – o grande desafio é fazer esse tipo de lâmpada orgânica ser mais resistente às variações de temperatura e umidade.
A técnica se baseia em cadeias moleculares que formam uma pasta. Para minimizar a maior sensibilidade à oxidação, a Audi optou por usar vidro altamente polido, com 1 mm de espessura. Assim, os engenheiros da marca conseguem aumentar a durabilidade do equipamento e formar espelhos finíssimos, sem molduras e distribuídos livremente, criando efeitos e perspectivas dentro dos conjuntos ópticos.
Mais “reais” são as setas dinâmicas, que equipam carros como A8, RS6 e RS7. Trata-se de uma sequência de 30 lâmpadas de leds que acendem de forma gradativa, começando da parte de dentro da lente para as extremidades. A ideia é que o motorista de trás já perceba com antecedência para onde o Audi vai virar.
Segundo o fabricante, ensaios mostraram que motoristas identificaram e reagiram um segundo mais cedo com os alertas dinâmicos na comparação com as setas convencionais. “Isso pode significar 11 m a menos em uma freada, além de trazer vantagens para o design”, garante Cesar Muntada.
Outra luz que se movimenta e já está em uso é a tecnologia Matrix, oferecida como opcional no TT, por exemplo. No Audi Future Lab, uma simulação desse farol mostra como sensores fazem as barras sequenciais de luzes se abrirem e fecharem, aumentando, diminuindo ou mudando a direção do facho.
Vídeo mostra evolução dos faróis da Audi (em inglês):
Pode servir para iluminar uma placa, ou a tangente de uma curva ou diminuir a intensidade da luz em direção ao carro que vem no sentido oposto. “É como uma cortina de teatro que se abre. Um elemento de design que representa qualidade. O efeito cortina do farol dá a impressão de ser um olho”, enaltece Wolfgang Huhn, diretor de faróis.
Claro que estúdio com designers é um exercício de imaginação. Essa mesma técnica Matrix foi usada em um experimento com lentes em forma de diamantes. Quando o farol acende, simula uma espécie de estrobo. Tudo em forma de pequenos losangos e em movimentos fluidos.
Em outra ponta do módulo, os projetistas aproveitaram a norma norte-americana que exige luzes laranjas diurnas nas laterais dos veículos. Mas a Audi abusou e fez um feixe de leds que envolve todo o carro. O circuito combina não só a luz fixa, mas também setas e alerta de frenagem. E quando se destrava o carro no controle da chave, as luzes ainda indicam a direção da maçaneta. “O efeito dinâmico realça o automóvel inteiro e é como se ele cumprimentasse o motorista”, diz Stephan Berlitz.
ESTÉTICA
“Luz é desenho. A luz se tornou característica da qualidade de um veículo. A Audi é a marca da luz e queremos ser líderes no design”. Foi com esta frase que começou o módulo “Estética” do workshop. E os designers trataram logo de mostrar numa tela escura como posicionar as diferentes linhas de veículos da Audi (sedãs, hatches, cupês, SUVs) só com a disposição das luzes dianteiras e traseiras.
Obviamente, foi a parte da apresentação com mais ensaios, exercícios de futurologia e devaneios estilísticos. Mas tudo até que tem um pé no chão, como uma ideia de lanterna traseira com os Oleds. Com as luzes orgânicas dispostas em placas verticais na traseira de um Q7, os designers podem “brincar” com as luzes traseiras, com efeitos tridimensionais que se prolongam até as laterais. Dependendo do ângulo que se aviste a lanterna, há sempre um estilo diferente.
Entre as muitas ideias para o futuro, há a tentativa de tratar um farol bidimensional como um conjunto tridimensional. Uma das estratégias é dispor o conjunto ótico em várias camadas horizontais. Cada uma delas tem uma cavidade e forma uma escultura para que pareça um… olho.
Na mão de um dos “monitores”, uma lente de farol feita de policarbonato em peça única e curvilínea, desenvolvida para não ter cantos e ser superfície contínua. Em outro canto, peças de plástico misturadas a nitrogênio formando borbulhas, fibras óticas em tecido e outros itens exóticos e futuristas feitos pelos engenheiros e entregues aos projetistas. “Nossos colegas desenvolvem, dizem o que eles conseguem fazer e o designer descobre que forma pode dar”, explica Stephan Berlitz.
INTERAÇÃO
O módulo mais bacana do workshop tem até um fundo filosófico. A última base deste “tripé da iluminação” da Audi tenta estabelecer uma relação entre luz, motorista e automóvel. Tudo através de projeções e muitos ensaios. Neste estúdio, a computação gráfica e os simuladores são essenciais.
Em uma tela de alta resolução e com óculos 3D, os projetistas podem desenvolver peças do conjunto óptico que se harmonizem com a carroceria do veículo. Tudo é desmontado virtualmente, peça por peça, para que os profissionais observem com riqueza de detalhes cantos, curvas e superfícies. “Com este tipo de simulação posso ver o melhor material para aplicar”, afirma Stephan Berlitz.
Antes que o executivo terminasse a frase, os “alunos” voltaram as atenções para uma pequena maquete eletrônica que simula uma estrada. Bastou colocar um carrinho sobre a pista, e uma tela começou a reproduzir a visão que o motorista teria caso estivesse a bordo daquela miniatura. Com o equipamento, os desenhistas da marca podem mensurar o alcance e a funcionalidade dos faróis dos modelos da marca.
Outra diversão garantida é uma cabine de automóvel que conversa com o motorista através de luzes. De olho na questão do carro autônomo, os engenheiros colocaram iluminação no volante para deixar o motorista a par do que acontece no carro que dirige sozinho.
Se o aro da direção estiver com um tom verde, é sinal de que o motorista pode relaxar, ler uma revista, um jornal ou checar seu computador. O carro está no comando. Mas se uma luz vermelha aparecer, acabou a moleza e é a indicação de que o condutor deve assumir a direção devido a um acidente mais à frente.
TEM MAIS
Uma faixa comprida de leds delimita o painel do para-brisa e alerta o motorista sobre a proximidade perigosa para o carro à frente, novamente combinando verde e vermelho. E se o ocupante se prepara para desembarcar e um ciclista está na via, luzes piscam no painel da porta para evitar um acidente.
É possível até se comunicar com o motorista de outro carro. É o caso da lanterna traseira com diodo a laser que a Audi já testa em Ingolstadt. A tecnologia projeta um feixe de luz vermelha na pista, o que, segundo estudos da marca, causa um efeito psicológico em quem vem atrás. “O motorista vai guardar uma distância ainda mais segura. Estamos em estudos, mas também dependemos de mudanças na legislação que permitam um equipamento como este”, explica Stephan Berlitz.
E se estamos em 2015, mas os carros ainda não voam como imaginava Robert Zemeckis em “De Volta para o Futuro”, ao menos os faróis poderão ir pelos ares. É o que supõe essa turma da “Interação” da Audi. Uma simulação mostra que em 2030 poderemos ter faróis em forma de drone, que vão se destacar da carroceria e voar à frente e acima dos carros autônomos para mostrar o tráfego e orientar o motorista quanto a pontos de referência e de interesse.
Como funcionam os faróis Matrix (em inglês):
TEST-DRIVE COM TT E MATRIX
Fim de tarde escura e fria em Ingolstadt. No roteiro, uma estrada de mão simples a bordo de um TT. Só que o ponto central aqui não é por à prova a cavalaria debaixo do capô do cupê. O grande barato do teste é ver se toda aquela maravilha que os designers da Audi falaram sobre a tecnologia de faróis Matrix é verdade.
Começamos a avaliação ainda no crepúsculo e fica difícil perceber qualquer diferença nos fachos de luz. Até que a noite cai para valer, a estrada fica mais “fechada” pelas árvores e pelo gelo acumulado. O motorista do carro do sentido oposto já se prepara para maldizer o condutor do Audi, que, aparentemente, está com o farol alto.
Antes mesmo de ele pronunciar o primeiro impropério, as luzes do cupê reduzem o facho de luz em sua direção, mas mantêm o restante da estrada muito bem iluminada – e a identidade visual da marca das argolas naquele conjunto óptico indefectível. Tudo sem qualquer interferência do motorista.
A partir daí, a diversão é observar como as luzes variam no trajeto. Surge uma placa à direita e o foco da luz vai todo nela. Curva para a esquerda mais à frente, e os leds Matrix parecem um refletor de estádio de futebol padrão Fifa.
Nas partes mais escuras e fixando o olhar nos fachos do farol, pode-se ver a dança das luzes no ritmo da mudança do cenário à frente. Surge a primeira rotatória e um carro cruzando a pista. Lá vai o Matrix acompanhando a lateral do veículo. Sim, os faróis são tão bacanas que toda a pegada esportiva do TT virou papo secundário.
Viagem a convite da Audi