A primeira cirurgia bem-sucedida de transplante de coração vai completar 50 anos em 2017. A operação foi um sucesso, mas o paciente faleceu dias depois, vítima de uma pneumonia, mas nem isso impediu a popularização do procedimento, que só tem um problema: o doador precisa morrer antes.
Como não há essa dificuldade com máquinas, a troca de “corações” na indústria automotiva também é comum, a ponto de a Renault ter feito um transplante duplo no fim do ano passado. Ela usou o 3-cilindros do Kwid e o 1.6 16V da Nissan e os colocou no Sandero, no Duster e no Logan. A boa nova para os doadores é que eles continuam firmes, mas não inabaláveis.
Veja o caso do Versa, por exemplo. Dono de um projeto mais moderno e sem o histórico de design polêmico do Logan, ele está posicionado acima do “primo” na tabela de preços. Pelo pacote intermediário SV com motor 1.6, a Nissan sugere o preço de R$ 54.040. O valor fica estrategicamente acima dos R$ 52.750 que constam na etiqueta do Logan 1.6 16V Expression.
Só que, junto do transplante, a Renault incrementou o motor Nissan, rebatizado de SCe. Ele ganhou 7 cv, 0,9 mkgf e, de quebra, ficou mais econômico. A atualização também incluiu melhorias nos periféricos do motor e no câmbio. Ou seja, além de ser mais barato, o Logan (na teoria) é mais rápido, moderno e eficiente. Será que isso vai significar o fim do seu doador?
Para encontrar a resposta comparamos as duas versões intermediárias dos sedãs. E, como ainda estamos na primeira parte deste duelo familiar, vamos com calma antes de escrever qualquer obituário. Até porque, em uma primeira análise sobre quem está mais próximo do fim, a geração atual do Logan, lançada em 2004, pode ser a candidata mais natural.
Apesar da publicidade da Renault dizer o contrário, o Logan ainda está na primeira geração, lançada na Europa em 2004. Uma profunda reestilização em 2013 escondeu o peso da idade, mas os batentes das portas que se sobrepõem ao teto e limitações de ergonomia entregam seu projeto mais antigo.
RIVAL TAMBÉM VETERANO
Não que o Versa seja exatamente novo, pois o sedã derivado do March nasceu em 2010. A diferença de idade facilitou a ideia da aliança Renault-Nissan de transplantar diversos componentes de seus populares. Quando o assunto é redução de custo, não há espaço para rejeição.
Até porque o Versa deve boa parte de sua existência ao Logan. O sucesso do sedã compacto de origem romena, com porta-malas enorme e entre-eixos superior ao do antigo Toyota
Corolla, foi crucial na consolidação da Renault no Brasil. Era natural que a Nissan repetisse a receita, mas com ingredientes diferentes.
A marca japonesa optou por um design menos conservador, ou, pelo menos, com alguma personalidade em relação ao retilíneo Logan. O interior também recebeu atenção, e, no Brasil, o motor 1.6 da Renault sequer foi cogitado, sendo preterido por soluções caseiras. Mas o Versa é mais caro que o Logan, e só foi receber uma versão inicial com motor 1.0 em 2015. Isso permitiu que o Renault, a despeito das críticas, mantivesse sempre uma boa distância do “primo” quando o assunto são vendas.
Em 2016, o Logan emplacou mais que o dobro de unidades do Versa. Se fosse uma corrida, seria uma vitória com voltas de vantagem. Mas a comparação é figurada, já que, com os motores oferecidos até o fim de 2016, o Logan não teria chance contra o sedã japonês.
E nem vamos falar da versão 1.0 16V, que só perdia para o descontinuado Fiesta Rocam 1.0 em termos de falta de prazer ao dirigir. Apesar de esforçado, o antigo Logan 1.6 8V exigia uso intenso do câmbio para manter a agilidade. Isso sem falar no consumo elevado.
A melhor solução era substituir quase todos os componentes debaixo do capô. Foi quando surgiu a ideia da Renault de adotar o caminho inverso utilizado até então e copiar a Nissan. Mas a estratégia ficou restrita ao 1.6, já que o 3-cilindros de 77 cv da Nissan não é considerado exatamente uma referência em termos de desempenho no segmento. Não é à toa que executivos da Renault indicaram que, em breve, tanto o March quanto o Versa receberão o novo 1.0 12V SCe, que estreou no Sandero e no Logan junto do motor 1.6.
CONTANDO FEIJÕES
Mas voltemos ao 1.6 16V. O conjunto que agora equipa os dois sedãs compactos da aliança Renault-Nissan repete a maioria dos componentes, incluindo bloco e cabeçote de alumínio, variador de fase para as válvulas de admissão, corrente em vez de correia dentada e redução nas perdas por acessórios, com assistência elétrica de direção no Versa e eletro-hidráulica no Logan.
A Renault incluiu algumas novidades do cardápio Inovar-Auto para melhorar o consumo do sedã, com destaque para o start-stop e “alternador que recupera a energia nas frenagens”. Este parece um item complexo e digno de carro híbrido, não? Mas é simples: trata-se de um alternador com gerenciamento “inteligente”, que aumenta sua carga (e geração de eletricidade) quando o carro está freando e alivia em acelerações, fazendo o motor perder menos potência.
Tal recurso ajuda a marca a melhorar suas metas de economia de combustível e redução de poluentes. O mesmo não se pode dizer do sistema de partida a frio com preaquecimento do etanol. Caro e com pouco impacto nas medições oficiais, o item foi deixado de lado no SCe. Uma estratégia duvidosa, já que na Nissan esse mesmo motor aboliu a gasolina nas partidas a frio.
A decisão faz sentido em um projeto com orçamento restrito, já que o Logan historicamente é mais barato que o Versa. Sem falar que o Renault melhorou onde mais importa.
Com mais torque e potência – cujo pico ocorre em rotações mais baixas –, o Renault deu um banho de desempenho em nossa avaliação técnica. Nos cinco quesitos avaliados na pista de testes, o Logan superou o Versa em três e empatou em um. Mas a comparação vai além disso.
Levamos em conta diversos outros aspectos, incluindo os itens de série e opcionais. E aqui o Nissan mostrou que não cobra a mais apenas por uma “carinha bonita”. Os dois sedãs contam com ar-condicionado, direção assistida, sistema de áudio, vidros dianteiros e travas elétricas. Mas o Versa inclui retrovisores e vidros traseiros elétricos, rodas de liga leve de 15” e cintos de três pontos retráteis para todos os passageiros. Isso sem falar no enorme espaço para as pernas de quem vai atrás.
ADEUS, VARÃO
Mas foi-se o tempo em que, para se diferenciar, bastava oferecer um entre-eixos maior e porta-malas na faixa de 450 litros de capacidade. Afinal, quase todo mundo no segmento faz isso.
Aí a dirigibilidade passa a ser um diferencial cada vez mais atraente, especialmente para quem não quer (ou não consegue encaixar no orçamento) um modelo automático. Por isso, a Renault trocou os comandos da alavanca do câmbio do Logan. Antes feitos por varões, agora eles usam cabos, como no Versa. Só que, no sedã feito no Paraná, o sistema ficou mais afiado e bem mais preciso. Só faltou a sexta marcha.
A direção do Logan também ficou consideravelmente mais leve nesta versão, embora não use a mesma receita do Versa. Isso, por um lado, é bom, pois no Nissan o volante perde a sensação de peso muito rapidamente.
Nesses aspectos, aliás, a diferença de conceitos dinâmicos da dupla fica mais nítida. A Renault optou por uma calibração mais firme. A suspensão está longe de ser dura, mas um Logan não passa por uma rua de paralelepípedos ou esburacada com o mesmo conforto do Versa.
O Nissan, porém, exige mais perícia em curvas rápidas ou mudanças bruscas de direção, pois a carroceria inclina com mais facilidade, exigindo mais dos pneus 185/65. A carroceria também não ajuda em manobras de estacionamento (por se tratar de um compacto). Este aspecto, inclusive, exige atenção em ambos, pois nenhum deles oferece sensor de estacionamento de série. No Nissan ele é oferecido como acessório, enquanto a Renault disponibiliza o item em um pacote opcional de R$ 1.300.
É DISSO QUE O POVO GOSTA
E nesse pacote está outro trunfo do Logan, pois ele inclui o sistema multimídia MediaNAV. Sua tela resistiva (que exige ser “apertada” com o dedo) está longe de ser a mais moderna do segmento, mas é a mais acessível. No Versa, ou você compra o acessório à parte na concessionária ou opta pela versão SL, cujo preço supera R$ 60.000. Diante de um mercado em crise e em um segmento bastante sensível ao preço, oferecer itens de conforto a preços camaradas ajuda a convencer o cliente na hora de fechar negócio.
O melhor isolamento acústico da carroceria também ajuda a conquistar, especialmente em um carro em que o motor liga e desliga frequentemente. Como ocorre no novo Fiat Uno, o motorista deve se educar a aprender a parar em esquinas e cruzamentos, em vez de apenas reduzir velocidade, para aproveitar o start-stop do Logan.
O acabamento razoável da dupla quase se equipara, mas o painel mais recuado do Versa amplia a sensação de espaço no banco dianteiro. Na traseira o conforto oferecido pela dupla se limita a dois adultos, já que nenhuma das cabines é larga. O encosto do Nissan, contudo, é mais bem projetado e não transmite a sensação de simplicidade extrema do banco do Logan. O Versa também é mais indicado para quem tem crianças, pois é o único a oferecer fixação Isofix para cadeiras infantis. Só faltou o encosto de cabeça para o ocupante do meio.
Por ser mais econômico, barato e agradável de dirigir, o Logan conseguiu sua vitória sobre o Versa graças ao próprio rival. Ainda que tenha superado o Nissan sistematicamente em quase todos os critérios, o Renault consolidou o primeiro lugar nos critérios em que o motor faz a diferença.
A calibração e o casamento do 1.6 16V no Logan ficou melhor do que no Versa, compensando a lista mais curta de equipamentos e o espaço ligeiramente menor. Mas, se fosse um paciente, o Nissan ainda poderia respirar tranquilo. Seu “coração” bate mais forte no Logan, mas o Versa ainda tem vida longa, principalmente por oferecer um câmbio automático convencional, em vez do desconfortável robotizado Easy’R. Mas nada impede a Renault de usar o CVT em seus modelos, como ela já fez, aliás, no Captur 1.6.
MOTOR DO VERSA FICOU MELHOR NO LOGAN
Não dá para negar que a vitória do Logan era esperada. Com praticamente o mesmo peso do Versa, mas um motor recalibrado e melhorias no câmbio, ele aproveitou mais o moderno 1.6 16V da Nissan. A iniciativa (estimulada pelo Inovar-Auto) de adicionar direção com assistência elétrica e start-stop ajudaram o Logan a obter uma sensível melhora no consumo de combustível.
O Versa é mais macio e menos ágil no dia a dia, mas seu ótimo espaço no banco traseiro (dotado de Isofix) são atraentes para motoristas profissionais. Porém, para quem trabalha com carro, custo-benefício é essencial. Mesmo menos equipado, o Logan entrega mais desempenho, prazer ao dirigir e eficiência por menos do que a Nissan cobra pelo Versa 1.6 SV.
*Para ilustrar esta matéria, utilizamos a versão Dynamique do Logan, mas a avaliação se baseia na Expression.
**Para ilustrar esta matéria, utilizamos a versão Unique do Versa, mas a avaliação se baseia na SV.
Obrigado.Estou gostando :).
Ola. Obrigado por compartilhar! Eu amo seu post obrigado.