Existem diversas fabricantes de automóveis, mas a maioria delas tem alguns aspectos em comum, como os valores corporativos que gostam de anunciar: inovação, liderança em tecnologia e sustentabilidade. Pode conferir, quase todas utilizam esses itens em suas apresentações. Mas existem as exceções à regra e uma delas é a Bugatti, que nunca foi sinônimo de humildade – e que, pelo visto, nunca será. A marca francesa ainda aposta em motores grandes, potentes (e nada “verdes”) para agradar aos seus fieis consumidores.
Quem acompanhou o Salão de Frankfurt, em outubro do ano passado, certamente se lembra do Bugatti Vision Gran Turismo, a materialização do modelo criado especialmente para o conhecido game Gran Turismo. Só que, ao contrário do que muita gente imaginava, o modelo não é apenas uma espécie de maquete. O carro é funcional, e, por isso, fomos até a França conduzir a fera.
O encontro não poderia ocorrer em um local mais emblemático: Le Mans, mais precisamente no pit-lane do circuito que sedia a prova de longa duração mais famosa do automobilismo mundial. Sim, ele é real, e como os modelos virtuais que os usuários de PlayStation ao redor do mundo conduzem, este carro é espetacular.
Como não estamos na época da corrida, o circuito disponível para a nossa avaliação é o Bugatti (pista permanente inaugurada nos anos 1960, que abrange a área dos boxes e a famosa passarela Dunlop). Percorrer os seis quilômetros da grande reta Hunaudières, ou contornar a icônica Mulsanne, então, nem pensar.
Mas, no momento em que o imponente motor de 16 cilindros do Vision é colocado em funcionamento, é impossível pensar em outra coisa que não seja acelerar essa máquina.
Pode ser que alguns dos 140.000 habitantes da pequena cidade na região do Loire tenham sido despertados, mas o mais provável é que ninguém tenha percebido a presença do ilustre visitante. Afinal, apenas em meados de junho é que a localidade se transforma, com a chegada de milhares de visitantes de todo o mundo.
É assim desde 1923 e não é demais recordar que a Bugatti já foi a estrela do espetáculo em duas ocasiões, nos distantes anos de 1937 e 1939, com o Tipo 57C, que alcançou a impressionante (para a época) média de 136,9 km/h. De acordo com o diretor de design da Bugatti, Achim Anscheidt, a ideia é prestar uma homenagem ao glorioso passado da marca nas competições, o que explica a decoração em dois tons de azul do Vision.
Já a tradicional grade dianteira em formato de ferradura e a barbatana sobre o teto remetem ao famoso clássico Type 57 Atlantic, lançado em 1936.
LIMPO E FUNCIONAL
“Imaginamos que seja possível trazer muitos elementos do Gran Turismo para os carros de rua, como os farois com quatro grupos de LED cada, os quais, além da função aerodinâmica, proporcionam um belo efeito estético”, explica Anscheidt. “Na parte traseira, rompemos totalmente com o estilo do Veyron e adotamos um novo conceito de iluminação. É revolucionário”, completou o designer.
“O altíssimo nível de desempenho do novo Bugatti fez com que os parâmetros de aerodinâmica e de arrefecimento tivessem de ser desenvolvidos ao mesmo tempo por desenhistas e técnicos, pois exigiram novas abordagens de design”, acrescentou.
Anscheidt usa a parte traseira do carro novamente para explicar: “O estilo minimalista ali não foi adotado por acaso. Ele indica a tendência de reduzir o design ao essencial, e reforça a nossa afirmação de que o novo Bugatti é muito mais ousado, sem esquecer a parte estética”, afirmou.
Bom desempenho, como se sabe, sempre foi um dos pontos fracos do Veyron, em virtude do motor de apenas 1.200 cv. Deixando a ironia de lado, o Vision parece feito para um mundo onde as pessoas querem cada vez mais e estão dispostas a pagar por isso, independentemente de elas realmente precisarem de tanto. E será que os potenciais compradores dessa supermáquina estariam dispostos a desembolsar a pequena fortuna que o carro vai custar e a fazer um certo contorcionismo na hora de se acomodar no carro?
Tudo bem, não se preocupe. Enquanto o Gran Turismo for um conceito, ele não precisa atender às rígidas regras de homologação da FIA, que, certamente, resolverão o problema. Mas o Bugatti vai precisar deixar de exibir algumas falhas, como a ausência de uma alavanca de câmbio e o acionamento duro do pedal do acelerador. Só não podemos nos esquecer de que muito do fascínio do Veyron deve-se à sua elegante simplicidade.
A SUPERMÁQUINA
Mas voltemos ao teste, já que não é sempre que se pode acelerar uma supermáquina. O circuito Bugatti é travado, com o auge na sequência esquerda-direita que antecede a passarela Dunlop. O banco de competição segura bem o corpo, mas o volante – que lembra o do Kitt, a supermáquina do seriado de TV dos anos 1980 – exige adaptação.
Por motivos óbvios, não pudemos acelerar tanto quanto gostaríamos, mas, mesmo no circuito travado, foi possível perceber que o Vision é intimidador. Principalmente por conta do isolamento acústico mínimo, item que deve ter sido deixado assim propositalmente para que os ocupantes percebam tudo o que se passa no compartimento do motor.
De acordo com a fabricante, o modelo será capaz de alcançar 400 km/h no circuito “completo” de Le Mans. “Com a velocidade que podemos alcançar na grande reta, vamos compensar eventuais desvantagens nas curvas e não é difícil acreditar que o carro será tão veloz na realidade quanto é no mundo virtual”, disse Florian Umbach, responsável pelo desenvolvimento do chassi do Gran Turismo. Potência, torque e outros detalhes técnicos do motor W16, porém, são guardadas a sete chaves. Mas os aficionados não se contentarão com qualquer número inferior a 1.500 cv, enquanto o peso deve ser de aproximadamente 1.900 kg.
Contudo, o mais impressionante é que de acordo com Wolfgang Dürheimer, presidente da Bugatti, já existem 100 pedidos firmes para o novo carro. Ou seja, 100 pessoas ao redor do mundo estão dispostas a pagar um depósito de 250.000 euros a fim de garantir a aquisição de um veículo cujo lançamento sequer foi confirmado.
O Bugatti Vision Gran Turismo é um carro realmente espetacular. Só que o principal obstáculo, a partir de agora, será torná-lo real.