O escândalo que envolveu a Volkswagen, que deliberadamente adulterou a injeção eletrônica de seus carros a diesel para tê-los aprovados nos testes de emissões poluentes nos Estados Unidos, é um dos maiores que já atingiu a indústria automotiva. Normalmente, eles acontecem quando as fabricantes tentam esconder problemas ou protelar a solução (nisso, o caso da Volks é mais grave, pois a enganação veio antes do eventual defeito). O caso pioneiro já tem 50 anos: a General Motors teve seu esportivo Corvair duramente criticado pelo ativista Ralph Nader, que escreveu um livro apontando defeitos do modelo (pneus com pressão incorreta, suspensão inadequada e até painel brilhante demais). A GM nunca foi condenada, mas o Corvair caiu em desgraça e foi descontinuado em 1969.
Veja dez escândalos (incluindo o da VW) que marcaram época:
PINTO EXPLOSIVO (EUA, 1978)
Tipo: erro de projeto
Carros envolvidos: 1,5 milhão
Acidentes: n.d.
Vítimas: 27 mortos, segundo estudo oficial
A Ford detectou o risco de o tanque de combustível do Pinto (nome de um cavalo) se romper em caso de colisão traseira antes mesmo de seu lançamento. Fez contas, e viu que era mais barato indenizar eventuais vítimas de acidentes do que refazer o Pinto. Houve incêndios e explosões (que, hoje se sabe, podem não ter relação com o erro no projeto), mas a manobra veio a público e obrigou a Ford a reparar mais de 1,5 milhão de carros, instalando proteção plástica para o tanque.
CÂMBIO FALHA, ADESIVO AVISA (EUA, 1981)
Tipo: erro de projeto
Carros envolvidos: 21 milhões
Acidentes: 6 mil
Vítimas: pelo menos 98 mortos
Ao lonog de uma década a Ford negou que seu câmbio automático poderia sair da posição P (de Parking) para R (de ré), provocando acidentes. Pelo menos 98 mortes são atribuidas ao problema. Em vez de fazer um recall, a fabricante preferiu enviar carta aos proprietários com um adesivo que deveria ser colado no painel do carro, alertando sobre o risco e ensinando a usar o câmbio corretamente (foto acima). Não houve recall, que poderia envolver 21 milhões de carros.
FIRESTONE EXPLODE, FORD CAPOTA (EUA, 2000)
Tipo: defeito de fabricação
Carros envolvidos: mais de 1,6 milhão (principal modelo: SUV Explorer)
Acidentes: 800
Vítimas: 240 mortos
A centenária parceria da Ford com a Firestone explodiu junto com os pneus de mais de 800 carros na virada do século. A perda de controle do carro levou a capotamentos, que deixaram 240 mortes (dado da Justiça dos EUA). O carro-símbolo da crise é o SUV Explorer, que no entanto não esteve envolvido em acidentes fatais. Foram trocados 6,5 milhões de pneus em todo o mundo.
CHEVROLET CORSA, O MAIOR RECALL (Brasil, 2000)
Tipo: defeito grave
Carros envolvidos: 1,3 milhão
Acidentes: n.d.
Vítimas: n.d.
Uma série de acidentes em que o cinto de segurança do Chevrolet Corsa nacional se rompia deu início ao maior recall da história do Brasil até então. Na ocasião, mais de 1,3 milhão de veículos foram convocados para reparo na fivela do equipamento. Na mesma época, um teste de impacto apontou falha similar no Fiat Palio, provocando inspeção em 320 mil carros.
O PERIGOSO BANCO DO VOLKSWAGEN FOX (Brasil, 2008)
Tipo: possível erro de projeto
Carros envolvidos: 500 mil (chamados para reparo)
Acidentes: n.d.
Vítimas: oito feridos
Ao rebater o banco traseiro do Volkswagen Fox, o engenheiro Gustavo Funada teve parte de seu dedo decepado pelo mecanismo. A fabricante alegou que ele não soube realizar a operação, mas o caso deu início a uma investigação governamental que encontrou mais sete vítimas do mesmo problema. O Ministério da Justiça obrigou a Volks a fazer um recall que envolvendo até modelos sem o sistema de rebatimento, somando mais de 500 mil unidades. Hoje em dia, a Volks produz até vídeos para ensinar o rebatimento seguro.
TOYOTA ACELERA SOZINHO (vários países, 2009)
Tipo: defeito grave
Carros envolvidos: mais de 10 milhões
Acidentes: n.d.
Vítimas: pelo menos 19 mortos
Do nada, modelos Toyota como os sedãs Camry e Corolla passaram a acelerar sem que o motorista tivesse pisado no acelerador. A fabricante culpou as vítimas: o problema seria o uso de tapetes não homologados nos veículos acidentados, o que faria o pedal direito travar no assoalho. Uma investigação nos EUA identificou outras falhas no acelerador eletrônico, e mais de 10 milhões de veículos em diversos países (incluindo o Brasil) passaram por megarecall.
FIAT STILO SOLTA A RODA (Brasil, 2008-10)
Tipo: provável defeito de fabricação
Carros envolvidos: 52 mil (chamados para reparo)
Acidentes: n.d.
Vítimas: n.d.
Processo iniciado em 2008 investigou acidentes supostamente provocados pelo desprendimento de uma roda do Fiat Stilo. A marca negou qualquer vício de fabricação (o problema seria nos cubos de roda) e só fez recall de 52 mil unidades do modelo no Brasil dois anos depois, após ser obrigada pelo Denatran, que a notificou por não ter feito o reparo antes. O Stilo deixou de ser fabricado também em 2010, e foi substituído pelo Bravo.
AIRBAGS QUE NÃO SALVAM (vários países, 2013)
Tipo: defeito grave em equipamento terceirizado
Carros envolvidos: mais de 58 milhões
Acidentes: n.d.
Vítimas: ao menos oito mortos
O maior recall da história da indústria automotiva começou há dois anos, quando se descobriu que os airbags da marca japonesa Takata podiam projetar objetos metálicos pontiagudos nos passageiros ao abrirem numa colisão. Pelo menos oito pessoas morreram e cem ficaram feridas devido à falha, que foi ocultada pela sistemista e pela Honda (uma das maiores clientes) por quatro anos. O recall envolve 58 milhões de veículos; a Takata precisou da ajuda de concorrentes para fabricar novos airbags, e o reparo de todos os veículos pode levar anos.
COBALT DESLIGA SEM QUERER (EUA, 2014)
Tipo: defeito grave
Carros envolvidos: 12,8 milhões (principal modelo: Cobalt americano)
Acidentes: centenas
Vítimas: ao menos 169 mortos
A maior crise da General Motors desde 2008 começou com um recall de 800 mil Cobalt (modelo americano já fora de linha, sem relação com o homônimo brasileiro), mas se estendeu e atinge atualmente 12,8 milhões de carros no mundo inteiro. Uma falha no miolo de ignição permite que a chave deslize e desligue o motor, deixando o motorista sem controle do carro. São 169 mortes atribuídas ao defeito. A GM fez acordo de R$ 3,7 bilhões para encerrar processo nos EUA.
VOLKSWAGEN “LIMPA” O DIESEL (EUA, 2015)
Tipo: fraude, admitida pela empresa
Carros envolvidos: de 500 mil a 11 milhões
Acidentes: nenhum
Vítimas: nenhuma
A Volkswagen instalou um software que modificava a calibração da injeção eletrônica de carros a diesel, fazendo com que emitissem menos poluentes nos regimes de rotação usados nos testes do governo dos EUA. Até 11 milhões de carros podem ter sido adulterados. O CEO do grupo, Martin Winterkorn, pediu demissão, mas o caso está longe de acabar: o FBI pode entrar na investigação e já se acredita que várias outras montadoras européias, que defendem o diesel e querem o mercado dos EUA, podem ter usado truque parecido.