Os quarenta SUVs mais vendidos do Brasil em 2016 emplacaram, juntos, 302.301 unidades, segundo a Fenabrave. Esse volume é apenas 1,2% menor que o registrado em 2015 – uma queda minúscula diante da retração de 20,2% no mercado – e mostra a força que esses modelos possuem atualmente.

Não é à toa que dois dos principais lançamentos do Salão do Automóvel de São Paulo foram SUVs. A GM exibiu o renovado Tracker com um motor inédito no segmento, enquanto a Hyundai antecipou o Creta. Apesar de algumas diferenças técnicas, a dupla tem em comum algo ausente em seus antecessores: potencial para ameaçar o domínio de Honda HR-V e Jeep Renegade.

Versão topo de linha do Hyundai Creta parte de R$ 99.490

Antes de encarar os líderes, porém, a dupla precisa mostrar a que veio, e, para isso, nada melhor que um duelo entre eles. Para essa disputa, elegemos as versões mais sofisticadas de cada um, com todos os opcionais oferecidos.

O novo Chevrolet Tracker passou a contar com um motor 1.4 turbo flex de 153 cv. Apesar de ter as mesmas especificações, não é o mesmo usado no Cruze, e ele conta com algumas adaptações na parte superior do cabeçote e nos dutos de admissão. O propulsor só está disponível em conjunto com o câmbio automático de seis marchas, e a tração é dianteira.

Visual do SUV sulcoreano é mais tradicional e discreto

O modelo possui duas versões: LT (R$ 79.990) e LTZ (R$ 89.990). O Tracker de topo ainda oferece um pacote com seis airbags (que custa R$ 3.000 adicionais). Some ainda R$ 1.500 pela pintura cinza metálica e você tem o modelo das fotos, que custa R$ 94.490.

O Creta topo de linha é consideravelmente mais caro. Ele sai por R$ 99.490 na versão 2.0 Prestige, e mais R$ 1.100 caso você opte por uma pintura especial, como a bronze da unidade avaliada. Como no Tracker, o câmbio do Creta com motor 2.0 é sempre automático de seis marchas, sem possibilidade de tração integral (ao menos por enquanto).

Couro marrom da versão Prestige dá toque refinado ao Creta

A diferença de R$ 6.100 no preço dos dois rivais é alta. Mas há motivos para isso. Ainda que a dupla seja bem fornida de equipamentos, há diferenças consideráveis entre Tracker e Creta. A maior delas é uma ausência importante em qualquer segmento, e ainda mais quando se fala em utilitário esportivo: o controle de estabilidade.

Mesmo o mais equipado dos Tracker não oferece controle de estabilidade e de tração, item não só presente no Creta 2.0, mas também nos principais SUVs do segmento. Em termos de conforto, fazem falta o ar-condicionado automático e o sensor crepuscular.

Motor 2.0 aspirado gera 166 cv de potência no Creta

É verdade que, como no Creta, o Tracker possui luzes diurnas de LED, start-stop e chave presencial. Mas, mesmo com itens exclusivos, como o alerta de veículo no ponto cego, de tráfego na transversal, teto solar e ajuste elétrico lombar para o motorista, o Chevrolet fica devendo em relação ao Creta ao se analisar a lista de itens de série.

De qualquer maneira, seria difícil superar o Hyundai. Além dos equipamentos já comentados, ele oferece pequenos mimos, como retrovisores elétricos rebatíveis e banco do motorista com ventilação. São virtudes que chamam a atenção de quem compara fichas técnicas.

TROCA DE CUSTOS
O motor 2.0 16V do Hyundai é similar ao do Elantra e gera 166 cv com etanol, suficientes para dar ao Creta o título de SUV com motor de aspiração natural mais potente do segmento – além de ter 13 cv a mais que o entregue pelo 1.4 do Tracker.

Só que o Chevrolet oferece 4 mkgf a mais de torque, e seu pico surge antes. Mérito da dupla injeção direta e turbo, cada vez mais comum nos automóveis, incluindo os da Hyundai.  

Além do visual mais moderno, motor 1.4 turbo é destaque no Tracker

Por enquanto, só o novo Tucson oferece os 1.6 turbo de 177 cv, mas o conjunto poderia ser uma alternativa interessante para o Creta topo de linha. Tanta tecnologia, porém, tem um custo, e a Hyundai optou por privilegiar o pacote de equipamentos em vez de um motor mais moderno. A tática pode funcionar, mas é questionável.

Mesmo equipado com variador de fase nos dois comandos de válvulas e coletor de admissão variável, o Creta não obteve um consumo impressionante em nossa avaliação, com média PECO de 7,2 km/litro (com etanol). A diferença para os 7,7 km/litro do Tracker pode até parecer pequena, mas impacta no bolso do consumidor a longo prazo.

Versão LTZ do Chevrolet parte de R$ 89.990

A GM do Brasil tem tanto orgulho do motor 1.4 que aplicou o nada discreto emblema “Turbo” com letras vermelhas (igual ao do Cruze) na tampa do porta-malas do SUV. O detalhe se soma às rodas de 18” e ao visual mais ousado, que confere ao Tracker um apelo mais esportivo.

Quando o assunto é visual, aliás, a Hyundai acabou por seguir a “estilo Volkswagen”. Explica-se: há alguns anos, a marca alemã adotou um padrão de desenho mais conservador e uniforme, que apesar de não se destacar nas ruas, envelhece mais devagar e amplia a gama de clientes. Mesmo assim, não se pode considerar isso um problema, afinal, quem busca discrição tem no Hyundai uma opção muito melhor que o chamativo Tracker.

Cabine do Tracker é bem construída, mas sem requinte

DIFERENÇAS PELA BASE
O SUV produzido em Piracicaba, SP, também é a melhor alternativa para quem busca mais espaço interno. O Creta nacional usa a plataforma do Elantra, o que se traduz em ótimas medidas internas, começando pelos 2,59 m de entre-eixos.

A sensação de amplitude e os números aproximam o Creta do Honda HR-V, referência nesse quesito. O Hyundai leva quatro adultos com conforto de sobra, e mesmo o quase sempre sofrido quinto ocupante não passa tanto aperto, ainda que não haja muito espaço para os ombros.

Motor 1.4 turbo gera 153 cv e 24,5 kgfm de torque

Já o Tracker não consegue oferecer a mesma comodiade. No Onix, no Cobalt e no Spin a plataforma GSV proporcionou cabines espaçosas, mas o mesmo não ocorre com o utilitário.

Quem viaja atrás tem um espaço apenas razoável para as pernas. O forro da versão LTZ é mais baixo por causa do teto solar e pode incomodar os mais altos, apesar de contar com rebaixos na parte posterior destinado exatamente para acomodar a cabeça dos ocupantes.

Menor em quase todas as medidas, o Tracker também oferece menos espaço no porta-malas. Os quase 130 litros que o SUV da GM não acomoda no bagageiro correspondem a uma mala pequena (e que pode fazer muita diferença).

Pneus de uso misto não combinam com Creta e prejudicam consumo

Por falar em interior, o Tracker vira o jogo na escolha dos materiais de forração. Couro sintético, frisos cromados e plástico em preto brilhante oferecem impressão de qualidade maior.

Pena que, como no Cruze, a GM escorrega na qualidade de montagem. A unidade avaliada exibia peças plásticas desalinhadas no painel, e só o puxador das portas possui revestimento estofado. Mesmo utilizando material rígido em maior quantidade no painel, o Creta é mais bem-acabado e tem forração das portas mais elegante e agradável ao toque.

Tracker conta com serviço OnStar de série

O Tracker pode não se destacar do Creta em uma análise criteriosa no showroow de uma loja, mas pode surpreender na condução. E nem adianta correr para virar a página e ver os números de desempenho. Apesar de ter mais torque, o Tracker é ligeiramente mais pesado que o Creta, e não entregou números muito superiores aos do rival. Na aceleração de 0 a 100 km/h, por exemplo, foram meros 0s65 a favor do GM. Só que, na utilização diária, não se dirige pisando o acelerador a fundo. Por isso, o Tracker se saiu melhor.

“CRUZE SUV”
A agilidade e o bom desempenho dos novos motores turbo pode ser encontrada no Tracker. Um leve aumento na pressão no pedal direito faz o modelo ganhar velocidade rapidamente, às vezes sem precisar reduzir qualquer marcha.

Passageiros de trás têm saída de ar dedicada no Creta

A facilidade com que o Tracker realiza ultrapassagens e vence ladeiras lembra o HR-V (que se beneficia de seu peso reduzido). Naturalmente, ele não é um Peugeot 2008 THP, mas supera o esforçado, mas discreto Creta.

GM e Hyundai oferecem direção com assistência elétrica, mas no Tracker a relação e o “peso” agradam mais em condução mais rápida. Os freios têm boa modularidade e superaram o Hyundai em nossas provas, mesmo sendo a tambor no eixo traseiro.

Painel de instrumentos do Tracker é parciamente digital

Pneus feitos somente para asfalto, entre-eixos mais curto e a suspensão levemente mais dura permitem ao modelo da GM oferecer prazer de dirigir quase impensável para um SUV. Só faltou melhorar o “bipolar” câmbio GF6.  

Dependendo do modelo e do motor, essa caixa pode agradar muito ou frustar um bocado. O Tracker está mais inclinado para a segunda alternativa, já que, por vezes, a central eletrônica demora a “perceber” a intenção do motorista. Para piorar, não há opção de modo esportivo e a função sequencial é acionada por botões na manopla da alavanca (sem borboletas).

Porta-malas do Hyundai Creta tem 431 litros de volume

O casamento do trem de força funciona melhor no Creta. O menor torque do 2.0 é compensado por reduções mais rápidas do câmbio automático – o que resulta em rotações mais altas a cada pressão levemente maior no acelerador.

Contudo, mais disposição do que isso não resultaria em mais empolgação no Creta. A suspensão prioriza o conforto e dá trabalho aos pneus de uso misto mesmo em curvas moderadas. O modelo não encoraja o motorista a dirigir de forma mais ousada nas curvas, mas, se isso ocorrer, ao menos ele conta com ESC.

Bagageiro do Tracker dispões de 306 litros de volume

QUESTÃO DE PRIORIDADES
Como ocorreu no comparativo da edição 277 entre Corolla e Civic, a ausência do controle de estabilidade no Tracker não foi o único motivo que determinou sua derrota neste comparativo, mas foi um dos principais. Por mais que as fabricantes busquem lucratividade, é difícil justificar a ausência de um item de segurança tão importante, especialmente em um veículo com centro de gravidade mais alto. Isso não significa que o SUV da GM seja um veículo inseguro ou que exija mais perícia do motorista, mas é sempre bom contar com a ajuda de sistemas auxiliares de segurança. 

Mas mesmo que possuísse o sistema, ele não seria suficiente para fazer o Tracker virar o jogo. Por mais que seja prazeroso de dirigir, mais rápido e econômico, o SUV da General Motors não entrega o mesmo pacote de equipamentos, espaço interno e qualidade de construção do Hyundai. 

Neste primeiro duelo, o Creta confirmou as expecativas criadas desde o Salão do Automóvel. Na esteira do sucesso obtido pelo HB20 e pelo Tucson “original”, o Creta tem grande chance de subir no pódio entre os SUVs compactos. Só não se sabe ainda em qual degrau. 

Dados de fábrica dos dois SUVs

HYUNDAI ENTENDEU O CAMINHO DO SUCESSO
Tanto o Tracker quanto o Creta refletem o sucesso dos SUVs no mundo. A dupla segue o caminho aberto pelos líderes e aprendeu com os concorrentes, mas a Hyundai acertou melhor a receita. Ao optar por um motor de aspiração natural e rechear a versão de topo de seu espaçoso SUV de equipamentos, a fabricante atende o desejo de seus futuros clientes.

Nossas medições realizadas na pista de testes da ZF-TRW, em Limeira (SP)

A GM do Brasil também foi bem ao escolher o ótimo motor 1.4 turbo para o Tracker, que carecia justamente de mais desempenho. Mas, atualmente, é essencial oferecer mais espaço interno para passageiros e bagagem, além de uma longa lista de equipamentos. A ausência do ESC não deve influenciar nas vendas, mas é uma falta grave em um SUV deste preço.  

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