A discussão sobre os preços dos automóveis novos no Brasil é sempre polêmica. Tanto que abordamos na reportagem de capa da edição 275 da revista CARRO a disparidade na gama de alguns modelos, cujas versões de topo chegam a ser quase 55% mais caras que as de entrada. Mas esse fenômeno de encarecimento não é exclusividade das configurações mais equipadas dos carros novos.

Nos últimos dez anos, os chamados carros “populares” que custavam na faixa de R$ 30.000 foram praticamente extintos do mercado (atualmente, essa faixa é ocupada pelos novos “city cars” e pelo Palio Fire, que ainda resiste no portfólio da Fiat). Sem analisar os aspectos econômicos e inflacionários que levaram o mercado à situação atual, o fato é que as configurações de entrada estão muito mais próximas da faixa de R$ 40.000. Prova disso é o modelo mais vendido do Brasil, o Chevrolet Onix, ter ganhado uma versão de entrada, cujo preço parte de R$ 38.990. 

Chevrolet optou por preservar visual antigo para baratear o Onix

A General Motors lançou em agosto a versão Joy do Onix, ressuscitando a nomenclatura que utilizava na primeira década deste século. Com ela, a companhia vai se aproveitar da mesma estratégia que a Volkswagen tinha no passado com o Gol G4 e que a Fiat mantém até hoje com o Palio: ter dois modelos de mesmo nome à venda no mercado. Isso porque a versão Joy não recebeu as atualizações visuais da linha 2017 do hatch (somente as melhorias no motor 1.0 e a mudança de visual da cabine, que trataremos adiante). 

Dessa forma, o Onix deverá cumprir a missão que até o ano passado pertencia ao Celta: ser o primeiro carro do consumidor no portfólio da marca. Portanto, nessa faixa de preço, o modelo passa a concorrer com as versões de entrada do Volkswagen Gol, que parte de R$ 37.100 em sua versão Trendline, de entrada, com quatro portas.

Externamente, visual do Onix Joy não muda em relação ao antigo

Disputando os mesmos público e objetivo, Onix Joy e Volkswagen Gol Trendline são os novos populares que, apesar da evidente modernização do segmento, ainda ficam devendo itens importantes em suas configurações de série, considerando o novo patamar de preços em que se encontram.

TECNOLOGIA SOB O CAPÔ
Como citado anteriormente, apesar de ter mantido o design antigo, a GM aplicou à versão Joy as demais evoluções da linha do hatch, com o intuito de reduzir o nível de emissões de poluentes de seu portfólio para se beneficiar dos incentivos do programa Inovar-Auto (que reduzirá a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados para quem cumprir metas de eficiência energética até o final do ano que vem). Logo, o Onix Joy passou pela mesma “dieta” do modelo renovado, começando pelo uso de materiais mais nobres em sua construção, como aços de alta resistência, que proporcionaram a redução de até 14 kg do peso do compacto.

Sob o capô, no entanto, motor 1.0 do Onix recebeu atualizações da linha 2017

O motor 1.0, tratado como uma nova geração (batizada de SPE/4 Eco), também teve de emagrecer. Foram mais de cem peças retrabalhadas ou substituídas por outras mais leves (como pistões e bielas), além de usar um gerenciador eletrônico com processador 40% mais rápido. Outra solução importante para reduzir o peso do Onix foi a adoção da direção com assistência elétrica. Ao todo, os engenheiros da GM cortaram 31 kg do hatch. 

Todo esse esforço surtiu o efeito desejado. O Onix Joy recebeu classificação A no Programa de Etiquetagem Veicular do Inmetro, e em nossas medições de consumo o Chevrolet foi ligeiramente mais econômico que o rival da Volkswagen, obtendo média ponderada entre cidade e estrada de 10 km/l a etanol, contra 9,8 km/l do Gol. 

Central multimídia oferecida ao Joy não é a MyLink 2

O Volkswagen Gol, embora não tenha passado pelo procedimento “lipoaspiratório” do Onix, se faz valer do atalho proporcionado pelo tecnológico motor EA211 1.0 12V tricilíndrico do up! para também conseguir a nota A no PBEV. O propulsor, cujo bloco e cabeçote são feitos de alumínio, é um dos mais eficientes do segmento e permitiu à marca aposentar o antigo 1.0 8V de quatro cilindros na linha 2017 do Gol. 

EQUÍLIBRIO NA PISTA
Em nossa pista de testes, o desempenho dos dois carros foi surpreendentemente equivalente. A diferença na aceleração de 0 a 100 km/h, por exemplo, é de meros 0s4, com vantagem para o Onix Joy. A disparidade só é mais evidente na retomada de 60 km/h a 120 km/h, situação em que o Gol é quase 4s mais lento.

Volkswagen Gol 1.0 Trendline

A surpresa pelo equilíbrio fica a cargo da diferença de peso entre os dois carros. O Volkswagen Gol é 110 kg mais leve que o Onix Joy, além de ser levemente mais potente e ter mais torque. São 82 cv a 6.250 rpm (com 10,4 mkgf de a 3.000 rpm) contra 80 cv a 6.400 rpm (e 9,8 mkgf a 5.200). O motivo, portanto, para a maior agilidade do Chevrolet está no câmbio.

Como parte da estratégia para maior eficiên­cia, a GM adotou uma nova caixa manual de seis marchas no Onix para reduzir o consumo em velocidades mais altas e entregar maior agilidade. Comparando as relações de marchas dos dois carros, fica evidente a vantagem do Onix, de marchas mais curtas – menos velocidade com mais rotação – favorecendo acelerações e retomadas. Além disso, a inclusão da sexta marcha permite ao motor atuar em faixas menores a 120 km/h (enquanto o Onix trabalha a 3.250 rpm, o Gol, em quinta marcha, está a 3.800 rpm).

Versão "pé-de-boi" do Gol parte de R$ 37.100

A vitória apertada na pista e o elogiável câmbio de seis marchas do Onix, contudo, não significam que o Gol fique muito atrás em qualidade. Ao contrário, se o hatch da VW é ligeiramente mais lento, ele tem um acerto de suspensão mais afinado que o rival.

Seja para absorver os impactos das irregularidades da pista ou proporcionar comportamento mais prazeroso e seguro em curvas com velocidades mais altas, o Gol é consideravelmente melhor que o Onix. O comportamento da suspensão do Onix é peculiar, pois se não apresenta batidas secas de final curso, a carroceria do Chevrolet balança mais, tanto nas curvas quanto sobre vias irregulares (mas em nível suportável), possivelmente por não ter barra estabilizadora dianteira.

Linha 2017 do Gol recebeu refinamento no acabamento interno
O contra-ataque do Onix surge na direção com assistência elétrica. Além de contribuir para a redução de peso, como já foi citado, o equipamento é bem calibrado para o uso urbano, facilitando manobras em baixa velocidade, e para rodovias, sem interferir em demasia na conexão entre carro e motorista. A direção hidráulica do Gol, embora seja tão precisa quanto a do Onix em estradas, é sutilmente mais incômoda para enfrentar a rotina na cidade, devido à sua menor eficiência. 

VIDA A BORDO
Se o preço dos carros populares aumentou no decorrer dos últimos anos, deve-se lembrar também que a qualidade do acabamento melhorou, sobretudo quanto à montagem das peças.

O Onix Joy, apesar de ter a “cara” do antigo, teve seu interior renovado e apresenta as correções de ergonomia que o novo modelo estreou na linha 2017, começando pelas portas dianteiras, cujos puxadores agora estão posicionados numa posição mais intuitiva. O quadro de instrumentos tem o mesmo visual das demais versões do compacto e o material utilizado no acabamento não transmite sensação de requinte, mas é bem montado, sem falhas aparentes.

Motor 1.0 tricilíndrico do up! caiu bem no Gol

A linha 2017 do Gol também se destaca por ter adotado um interior mais bem acabado, igualmente composto por plásticos rígidos, mas só ele possui detalhes de tecido no painel das portas dianteiras, que conferem uma pequena vantagem na impressão de qualidade em relação ao Onix. O Volkswagen ainda ganha pontos pela funcionalidade, já que possui mais porta-objetos, e pela soma das medidas internas.

Tanto Onix quanto Gol conseguem levar três pessoas atrás com o mesmo aperto, por conta do túnel central, e menos espaço para os ombros dos ocupantes, mas o compacto da VW possui teto mais elevado, melhor para os mais altos.

LISTA ENXUTA
Se até aqui os novos populares pareciam justificar o atual patamar de preços pelo avanço em eficiência e qualidade, a lista de itens de série polemiza a discussão. A GM até se esforça para convencer que o Onix Joy já vem bem equipado de série, destacando direção com assistência elétrica, ar-condicionado e vidros dianteiros elétricos, mas a ausência de alarme, travas elétricas e preparação para rádio (não há alto-falantes) serve como contra-argumento.

Ainda há o trunfo do OnStar, serviço de concierge que, no caso do Onix Joy, só oferece o pacote de diagnóstico de algumas funções do carro por meio do aplicativo de smartphone. Mas, mesmo que esteja disponível gratuitamente por um ano, não é suficiente para convencer.

A Volkswagen também não tem motivos para se vangloriar. Se o Gol dispõe de travas elétricas de série, falta ar-condicionado. E também não há rádio de série. Em ambos os casos, esqueça das luzes de cortesia nos para-sóis, alças de segurança no teto, computador de bordo com mais de uma função etc.

Medições realizadas no campo de provas da ZF-TRW, em Limeira (SP)

Para equipar o Onix Joy como o carro das fotos, o consumidor deverá desembolsar cerca de R$ 5.000 pelas rodas de liga leve e pelo kit multimídia, vendidos como acessórios nas concessionárias Chevrolet (não há pacotes de opcionais para essa versão do hatch). Vale ressaltar que a central multimídia disponível para o Joy não é a MyLink 2, mas outra, “genérica”, que possui as mesmas funções (inclusive de espelhamento de celulares) da original da fabricante.

No caso do Gol, o interessado deve gastar R$ 3.773 extras por ar-condicionado e rádio com conexão Bluetooth e entrada USB. Se quiser, ainda há a central multimídia, que também espelha celulares, por R$ 1.849. Quanto ao pós-venda, o equilíbrio dos dois modelos permanece. Enquanto o GM se beneficia de uma cotação mais atraente de seguro, as revisões do Volkswagen Gol são bem mais baratas. 

Num segmento em que cada centavo pode fazer a diferença no bolso do interessado e considerando a equivalência técnica entre os dois modelos, esta disputa será decidida na ponta do lápis. O poder de barganha do consumidor pode compensar o revés ou reforçar a vantagem de cada um dos dois modelos. 

Fichas técnicas dos dois modelos

VITÓRIA APERTADA PREMIA ACERTO DO GOL
Das 16 notas técnicas da nossa tabela de pontuação, seis delas deram empate entre os dois modelos e a maioria, considerando todos os 29 quesitos avaliados, teve diferença de meio a um ponto entre um e outro. Isso mostra o quanto Gol e Onix se equivalem em desempenho, conforto, espaço e prazer ao dirigir. A vitória do Volkswagen foi decidida em basicamente dois quesitos: medidas internas mais generosas e suspensão mais acertada. Pouco para cravá-lo como vitorioso incontestável.

Contudo, o preço mais atraente do Gol Trendline (considerando os dois modelos completos com ar e rádio) o torna um negócio mais acessível, ainda mais se o perfil do consumidor conseguir baixar a cotação do seguro (que é o calcanhar de aquiles do Volkswagen).

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