Todo mês na revista CARRO o consultor técnico Bob Sharp responde às dúvidas dos leitores sobre o universo do automóvel. Na edição 274, deste mês, o especialista preparou um especial para esclarecer um do mitos mais propagados entre os entusiastas de carro: o de que torque é bom para arrancadas e potência para velocidade final. Leia a explicação abaixo para entender a relação entre os dois.

Ouço muita gente dizer que o torque é importante para as arrancadas e a potência para a velocidade final. Isso procede?
Leonardo H. Martins de Souza (São Paulo, SP)

Se existe algo que embaralha a cabeça de muitos, é a questão de torque e potência. A tal ponto que se criou o ditado, ou o mito, de que “torque é para arrancada e potência é para velocidade”. Pois bem, não é nada disso. Vamos começar a entender para que não reste mais dúvidas sobre o tema.

Torque é um esforço de torção, ou torcional, produzido pelo motor. Para ser mensurado, é usado um artifício: colocar o motor para funcionar com aceleração máxima em um dispositivo chamado dinamômetro, mas mantido em várias rotações – 1.000, 2.000, 3.000 etc. — por meio de um freio hidráulico ou elétrico. Conhecido o torque nas várias rotações, vem o cálculo da potência. De uma maneira simplificada, potência é torque multiplicado pela rotação.

Potência x torque de motor 2.0 turboConceitualmente falando, torque é trabalho. O trabalho de subir um aclive é o mesmo se feito por um carro de 50 cv ou outro de 500 cv. Ambos vão subir a ladeira, vão realizar o mesmo trabalho. Só que o mais potente fará o percurso em um tempo incomparavelmente menor, por ter mais potência.

A mesma coisa ocorre com a aceleração. Esses mesmos carros citados vão ser submetidos a um teste de aceleração a partir da imobilidade, como 0 a 100 km/h: ambos vão atingir essa velocidade, mas o mais potente levará bem menos tempo.

Parece simples, com mais potência sobe-se o aclive e chega-se a 100 km/h em menos tempo, mas não é só isso. Os motores da maioria de nossos carros atualmente funcionam aspirando o ar atmosférico, ao qual se junta o combustível para formar uma mistura chamada ar-combustível que, uma vez inflamada, expande-se ao queimar, gerando as altas pressões internas que fazem o motor funcionar.

RESPIRAÇÃO
Comparando ao nosso corpo, o ar chega ao interior do motor da mesma forma que o aspiramos. Os pulmões se expandem, criam uma depressão e o ar atmosférico preenche o espaço. No motor, há uma série de condições para que o ar chegue ao seu interior e essas são determinadas por cálculo para que o propulsor apresente as características de funcionamento que seu projetista deseja.

Não interessa a ninguém que a potência utilizável, dita palpável, só apareça em rotações altas, pois um carro com um motor desses seria muito desagradável de dirigir. Na hora de arrancar seria necessário acelerar até uma rotação bem alta e deixar a embreagem patinar por muitos metros até que o pedal pudesse ser totalmente liberado. O esforço sobre a embreagem seria enorme, e sua vida útil, muito breve. Não, a potência não deve demorar a surgir.

É aí que entra o torque. Quanto mais cedo — em termos de rotação — ele ocorrer e maior for, mais cedo será a produção de potência. Mas é inviável exagerar nessa busca por potência em rotações baixas, pois ela não poderá aumentar muito nas rotações mais altas. Como se vê, projetar um motor inclui conciliar os conflitos resultantes de sua própria natureza, tendo em conta os objetivos do projetista. É preciso ter potência palpável em baixa rotação e bastante potência nas rotações mais altas. É o chamado motor elástico.
 

Motor diesel 4.0 da Audi: 441 cv de potência e 68 kgfm a apenas 1.000 rpm

Felizmente, essa conciliação se tornou mais viável e fácil graças à tecnologia, como o sistema VTEC da Honda, aos comandos de válvulas variáveis cada vez mais comuns e, principalmente, à popularização dos turbos. Nesses casos, o objetivo é aumentar a carga de ar admitida ao motor nas faixas de rotação mais baixas.

OPÇÃO PELA POTÊNCIA
Falando nisso, há um conceito errado de que motores multiválvulas, como os de quatro válvulas por cilindro, têm “pouco torque”. A verdade é que esses motores são intencionalmente projetados para desenvolver mais potência, pois a área de passagem de ar por duas válvulas é bem maior do que por uma, lembrando-se de que válvulas muito grandes pesam mais e isso limitaria a rotação e a potência.

Porém, uma análise de motores de mesma cilindrada, por exemplo, um 4-cilindros de oito válvulas e outro de 16, mostrará que o torque máximo do 16 válvulas é maior que o de oito, enquanto em baixa rotação a potência é a mesma. A impressão de “pouco torque” vem do fato de que a partir de determinada rotação o 16V “acorda”, é potente só nessa faixa, enquanto em baixas rotações ele é igual ou até melhor que o 8V. Assim, a potência é o que manda, e não o torque.

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