Se você não se lembra, procure no YouTube o comercial “Pôneis Malditos”, que marcou uma série de propagandas ousadas da Nissan Frontier no Brasil há cinco anos. A música fofa destoava da letra incomum e rendeu até investigação no Conas, órgão autorregulatório das agências de publicidade.
“Esse comercial chamava a atenção, mas não levava ninguém às concessionárias”, explicou François Dossa, presidente da Nissan do Brasil, durante uma entrevista exclusiva à revista CARRO (a conversa completa você pode conferir ao final desta matéria).
Cinco anos depois da polêmica campanha, muita coisa mudou. O setor automotivo enfrenta a maior crise da década, o país passa por instabilidades econômica e política e a Frontier, a picape média mais potente do Brasil na época, perdeu o posto e ficou defasada diante das rivais Ford Ranger, Chevrolet S10 e Toyota Hilux. Tudo isso se refletiu nos números de venda. As antigas “quatro grandes” perderam participação e as newcomers, como são chamadas as fabricantes que chegaram ao Brasil recentemente, ganharam destaque – especialmente Honda, Toyota e Hyundai.
Só que, ao contrário das rivais asiáticas, a Nissan não acompanhou o crescimento do mercado. Além de ter começado a produzir por aqui mais tarde, a empresa demorou a ter produtos de volume e ainda não conseguiu adquirir a fama de robustez e de confiabilidade que Honda e Toyota possuem. Para conquistar seu espaço, a Nissan investiu mais de R$ 2,6 bilhões em uma nova fábrica, em seu primeiro SUV e em uma campanha publicitária gigantesca.
O PESO DA MATURIDADE
A Nissan não revela os valores, mas o investimento para patrocinar os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio foi tão alto que o dinheiro veio da matriz, e não da subsidiária brasileira.
O objetivo da marca é claro: chegar aos 3% de participação no mercado até o fim de 2016 e passar de 5% “nos próximos anos”, sem cravar uma data exata. Isso explica a onda de lançamentos, anúncios e até uma surpresa reservada aos entusiastas de esportivos.
A chegada do famoso GT-R em setembro coroa o ano em que a marca mais lançou novidades no Brasil. “Mas ele será um carro de imagem, para mostrar do que a Nissan é capaz”, explica Cristiane Sanchez, gerente de produto da marca. Tanto é que, apesar de ter um estande de vendas exclusivo em São Paulo, o GT-R não será oferecido a pronta-entrega e seu preço deverá ultrapassar R$ 700.000 – sem opcionais.
Mais importante que o cupê japonês é a dupla March e Versa, produzida desde 2014 em Resende, RJ, e responsável por quase 75% das vendas da Nissan até junho deste ano. “Foi um erro posicionar o March como um popular no Brasil”, afirmou um executivo que preferiu não se identificar. Reestilizado e nacional, o hatch ficou mais caro, mais equipado e estreou o único câmbio CVT do segmento. “É estratégico oferecer esse tipo de caixa nessa faixa de preço”, explica Sanchez. Pelo mesmo motivo, a probabilidade da chegada da nova geração do hatch, que será lançada no Salão de Paris em outubro, é grande. Mas, antes disso, a Nissan ainda prepara mais uma tacada para crescer rapidamente.
“Nossa expectativa para a nova Frontier é bem alta”, conta Alan Ponce, gerente de vendas da divisão de comerciais leves da Nissan. A picape chegará no final deste ano importada do México e apenas nas versões topo de linha com motor 2.3 turbodiesel e câmbio automático. “Ela vai conviver com o modelo fabricado em São José dos Pinhais, PR, por um tempo”, revela Ponce.
A picape vai se juntar a March, Versa, Kicks e Sentra para compor o catálogo da Nissan para os próximos anos. Sentiu falta de alguém? Bem, a ausência de um produto tem a ver com os planos da fabricante para o Brasil.
FUTURO MODERADO
“Quando chegarmos aos 5% de participação, pensaremos nos próximos passos”, diz Dossa. Por isso, modelos pouco rentáveis, como o sedã Altima, darão um adeus temporário ao mercado. Sem benefícios fiscais, o sedã americano só deve retornar com o dólar mais baixo. Mais provável é o retorno do X-Trail e a chegada do crossover Juke e do Qashqai – que, inclusive, compartilha peças com o recém-confirmado Renault Koleos.
A aliança com a fabricante francesa também vai gerar outros frutos: caberá à Renault oferecer versões mais baratas que a Frontier, com a sua Alaskan, e o motor 1.6 16V da Nissan equipará o Logan e o Sandero no Brasil.
A retribuição da fabricante europeia virá com a sua experiência com carros rentáveis. “Um dos pedidos do nosso CEO Carlos Ghosn foi para reduzir nossos custos de produção”, conta Dossa. Com um consumidor cada vez mais exigente e ávido por qualidade, isso significa lidar com detalhes: do assistente de estacionamento com somente três sensores do Sentra, passando pela ausência de controlador de velocidade no Versa Unique até o porta-luvas com abertura sem amortecimento do Kicks.
Em marcas consolidadas, como Honda e Toyota, essa economia pode passar despercebida – que diga o HR-V sem sensor de manobras e o Corolla sem ESC até hoje –, mas pode custar caro para quem pretende aumentar suas vendas. “Por isso, fazemos mudanças onde nosso consumidor não vê”, conclui Dossa.
O momento da Nissan é oportuno: além de finalmente entrar forte no segmento de SUVs compactos, a empresa pode dar uma guinada rumo ao topo das maiores fabricantes do mundo
A aquisição de 34% das ações da Mitsubishi, enfraquecida por um escândalo de fraude no programa japonês de emissões de poluentes, pode levar o grupo Renault-Nissan à liderança global, superando as poderosas Toyota e Volkswagen.
A experiência da fabricante dos três diamantes com competições off-road também virá a calhar para a Nissan, inclusive no Brasil. “Conhecendo a forma como Carlos Ghosn trabalha, acho pouco provável que ele mantenha duas operações simultâneas da Mitsubishi no Brasil, como acontece com a Hyundai e a Caoa”, revelou um alto executivo da empresa.
Por imposição das leis que regem o mercado de ações, seu nome não pode ser divulgado. O que é dado como certo é o compartilhamento (especialmente de motores) para os modelos da Mitsubishi. A compra da operação da MMC no Brasil completaria a estratégia, que vai reposicionar os modelos das três marcas (Renault, Nissan e Mitsubishi), de forma que não ocorra canibalização entre eles.
O futuro para a marca sediada no Rio de Janeiro é promissor e vai muito além dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos no Rio. Só não se deve esquecer de que a história também tem casos de promessas que se transformaram em frustração.
Mas não deve ser o caso da Nissan, que mostra maturidade no mercado nacional com o Kicks. Com poucos, mas bem posicionados modelos, a Nissan, agora, vai chamar a atenção por seus carros, e não por seus comerciais.
ENTREVISTA COM FRANÇOIS DOSSA
O francês naturalizado brasileiro, François Alain Dossa, de 53 anos, assumiu a presidência da Nissan em 2013, poucos meses após entrar na divisão brasileira da fabricante. O manda-chuva conversou com a revista CARRO sobre o Kicks e os planos futuros da marca no país. Leia abaixo:
CARRO: Qual é a importância do Kicks para a Nissan?
FD: Ele é muito importante para nossa estratégia, que reforça o DNA japonês de inovação e qualidade no Brasil. Mas queremos entregar mais consistência, com planos de longo prazo. Seria um erro apostar tudo o que temos só no Kicks.
CARRO: Por que a Nissan focou no segmento de carros que custam menos de R$ 100.000 nos últimos anos?
FD: O segmento de populares ainda responde por 60% das vendas. Se você quer ser grande no Brasil a longo prazo, você tem que começar pelo volume. Por isso, trouxemos o March e o Versa, investindo em equipamentos como o câmbio CVT. O Kicks completa essa estratégia, na qual a fábrica de Resende tem papel essencial. Inclusive, iremos contratar 700 funcionários para implantar o segundo turno. Nota do CARRO ONLINE: Essa contratação havia sido suspensa em maio de 2015.
CARRO: A Nissan pretende lançar novos SUVs no Brasil em um cenário de curto prazo?
FD: Se houver mercado, sim. Mas o prazo da indústria automotiva é longo. Vamos observar o desempenho do Kicks por enquanto. Mas nada impede que no futuro tenhamos o Qashqai, por exemplo.
CARRO: Como você vê a indústria no futuro?
FD: Ninguém esperava uma queda do mercado em 2015 e neste ano da maneira como ocorreu. Não há como prever como será a indústria em 2020. Mas nossa taxa de motorização per capita ainda é muito baixa, e creio que um dia vamos chegar a um volume de 5 ou 6 milhões de carros [por ano]. O importante é que a Nissan está preparada para essa retomada.
CARRO: Se a crise acontecesse antes, ela iria mudar os planos da Nissan para o mercado brasileiro?
FD: Não, o Kicks e a nossa fábrica de Resende existiriam da mesma maneira. Quando você é uma marca global, você não pode abrir mão de um mercado como o Brasil. Apesar de termos entrado em um ciclo ruim, temos a tranquilidade para a recuperação a longo prazo.
CARRO: A Nissan deseja ficar entre as cinco maiores fabricantes do Brasil na próxima década?
FD: Não necessariamente. Nosso objetivo é passar dos 5% de participação, ter consistência e ser rentável. Não adianta crescer rápido e seu pós-venda não acompanhar o ritmo.
CARRO: A Nissan teve os comerciais dos “pôneis malditos”, do “carro de tiozão” e agora se associou aos Jogos do Rio 2016. Qual será a imagem da marca para os próximos anos?
FD: Essa abordagem do passado acabou. Somos uma empresa japonesa, e a Nissan do Brasil será como uma Nissan de qualquer lugar do mundo. O Kicks, por exemplo, será lançado primeiro aqui, mas será vendido em 80 países no futuro.