Nós mostramos aqui no CARRO ONLINE o quanto a segunda geração do Cruze fez bem ao modelo. Numa comparação com seus rivais tradicionais (Nissan Sentra e Toyota Corolla) e com os “novatos” (Jeep Renegade e Honda HR-V), o Chevrolet saiu vitorioso na disputa com notável folga. Porém, esse novo patamar de qualidade veio acompanhado de preço elevado. E com ele, o Cruze invade a área de uma concorrência mais sofisticada, que eleva o nível de seu desafio para enfrentar de igual para igual modelos premium.
Tabelado em R$ 96.990 na versão mais equipada LTZ, o Cruze 2017 reserva um pacote opcional exclusivo para essa configuração que, na prática, a transforma em uma versão ainda mais completa do Chevrolet, a LTZ “Plus”. Os detalhes da lista de itens que este pacote adiciona vamos abordar mais adiante.
O fato é que nesta opção, o Cruze salta R$ 10.460, chegando a R$ 107.450 — mais caro que um Audi A3 Sedan.
Pois é, partindo de R$ 106.990, o A3 Sedan 1.4, na versão Attraction, aparece como uma opção mais barata do que um Cruze. E é justamente por isso que decidimos colocar lado a lado esses dois sedãs que, embora alguns possam argumentar não serem concorrentes diretos tecnicamente (devido às diferenças em suas dimensões), é sabido que o fator determinante para adquirir um veículo novo no Brasil é preço.
O PESO DA NOVIDADE
O objetivo deste comparativo é descobrir quais motivos fariam um consumidor com a possibilidade de entrar para o mundo premium permanecer numa marca tradicional, optando por um carro de mesmo valor. O primeiro argumento – e o mais óbvio – é o peso da novidade. A segunda geração do Cruze nasceu de uma folha em branco. Tudo nele é novo, a começar pelo visual, que abandonou o conservadorismo do anterior para beber na fonte de linhas fluidas e frente afilada. O carro chama atenção por onde passa e seu desenho tem potencial para permanecer contemporâneo ao longo de muitos anos.
O elogio ao Cruze, todavia, não acarreta em crítica à escola sóbria, porém eficiente, de design alemã. O A3 Sedan é um modelo muito bem resolvido em termos estéticos, ainda que suas linhas tendam a envelhecer mais rápido.
Vantagem mesmo para o Cruze é o seu tamanho. Na reformulação, inclusive para abrigar boa parte da ousadia de seu design, o Chevrolet ficou maior: está 6,2 cm mais comprido, 0,9 cm mais alto e 1,7 cm mais largo. Seu entre-eixos também cresceu em 1,5 cm, totalizando 2,70 m. Em comparação com o Audi A3 Sedan, são 21 cm a mais de comprimento e 7 cm a mais de entre-eixos.
Na prática, isso significa que no Cruze o proprietário poderá acomodar até três passageiros no banco de trás com razoável conforto. A oferta de espaço é consideravelmente maior nele do que no A3 tanto para as cabeças quanto para as pernas dos ocupantes. No Audi é difícil se acomodar confortavelmente no meio do banco traseiro, por conta da presença do túnel central.
A resposta do A3 vem no capricho do acabamento. Apesar da citada sobriedade, não há qualquer falha na montagem das peças. Portas e painel são revestidos de material macio que agrada ao olhar e ao toque, e o acesso aos comandos é bastante funcional. O Cruze possui bancos de couro e usa o material nobre apenas parcialmente nas portas e no painel. O problema está nas falhas encontradas pela cabine e que não condizem com um carro de mais de R$ 100.000.
STATUS vs. CUSTO BENEFÍCIO
O jogo vira novamente a favor do Cruze quando se considera o que cada fabricante entrega de acordo com o preço de seus carros. Os R$ 107.450 do Chevrolet assustam, mas, ao menos, ele traz equipamentos que você só vai encontrar no Audi se investir mais de R$ 25.000 extras pela versão intermediária com o pacote opcional Assistance.
O Cruze LTZ “Plus” herda uma lista extensa de itens da versão convencional. Entre os principais, estão seis airbags, quadro de instrumentos parciamente digital, central multimídia MyLink 2 com espelhamento de smartphone e navegador, sensores de luz, chuva e estacionamento (dianteiro e traseiro), partida por botão, retrovisores com aquecimento e luzes de condução diurna de LED.
O acréscimo pelo pacote “Plus” é justificado pelos itens tecnológicos (assistente de manutenção em faixa, alerta de colisão frontal, monitor de ponto cego, estacionamento autônomo, farol alto adaptativo, bancos com ajustes elétricos e até carregador de celular por indução. Com tanta modernidade, fica difícil entender porquê não há controlador de cruzeiro adaptativo nessa lista.
Como estamos comparando o modelo topo de linha de um carro com a versão de entrada do outro (nas fotos, você vê a versão intermediária, Ambiente, do A3 Sedan), seria natural haver uma diferença de equipamentos, mesmo se tratando de um comparativo entre uma marca tradicional e outra premium. Mas a Audi parece “forçar a barra” ao excluir um simples controlador de cruzeiro do A3 Sedan Attraction. O ar-condicionado é outra falha grave: não é automático. Sensores de obstáculos? Apenas na traseira.
Para tentar compensar essas faltas, o A3 Sedan traz faróis de bixenônio de série (indisponíveis no Cruze), luzes de condução diurna e lanternas de LED, cinco airbags e central MMI com conexão Bluetooth e entradas USB e auxiliar.
É nessa hora que status e custo-benefício se distinguem. Mercadologicamente – como você pode ver em detalhes nas tabelas na página 71 –, a Audi recorre pouco à racionalidade. Além de um pacote de equipamentos mais enxuto, os custos com pós-venda são consideravelmente maiores. Começando pelas revisões, que totalizam R$ 2.340 pelas três primeiras, enquanto no Cruze saem por quase a metade pelo mesmo serviço. O seguro é outro disparate no A3 Sedan, com uma diferença de 120% em relação ao Cruze.
ENTRE CONFORTO E ESPORTIVIDADE
Sob o capô, os dois modelos trazem receitas bastante similares para atingir os mesmos objetivos: aliar bom desempenho à eficiência energética. Para isso, ambos são impulsionados por motores 1.4 turbo de quatro cilindros em linha, com bloco, cabeçote e cárter feitos de alumínio e coletor de escapamento integrados ao cabeçote. Ambos ainda dispõem de sistemas start/stop. Entre as diferenças está o intercooler (resfriador de ar), que no caso do motor 1.4 EA211 da Audi é do tipo ar-água e no Ecotec do sedã da Chevrolet a troca de calor é do tipo ar-ar.
Os números de potência e torque dos dois também são parecidos. O Cruze consegue extrair 153 cv a 5.200 rpm e 24,5 mkgf de torque a 2.000 rpm. Já o A3 produz 150 cv a 4.500 rpm e 25,5 mkgf a 1.500 rpm, ambos abastecidos com etanol. Com tantas semelhanças assim, é mais fácil compreender o equilíbrio dos dois na pista.
Na prova de aceleração de 0 a 100 km/h, o Chevrolet Cruze, que já havia surpreendido no comparativo da edição nº 272 (junho), conseguiu outro feito, sendo mais rápido que o Audi A3 Sedan. A diferença de 0s5 é pequena, mas não diminui a conquista do Cruze, corroborada pelas vitórias também nas retomadas (que mantiveram a média de meio segundo à frente do Audi).
A pequena superioridade do Chevrolet persistiu nos testes de frenagem. De 100 km/h à imobilidade, o Cruze precisou de 39,04 m, enquanto o A3 percorreu 39,81 m de chão. O fading dos freios do Cruze também foi menor, com uma diferença de menos de 2 m entre a pior e a melhor frenagem com o carro carregado. Mas, a sutil superioridade do Cruze não foi suficiente para vencer o A3 Sedan em nosso comparativo. E a resposta está na dirigibilidade.
A maior diferença nas análises entre os dois modelos reside no comportamento dinâmico de cada um deles. A realidade é que, apesar de o Cruze ter uma disposição invejável para acelerar, sobretudo considerando o patamar atual do seu segmento, sua dirigibilidade precisa melhorar.
Nesta geração, a Chevrolet afirma que o Cruze ficou 20% mais leve (até 106 kg na versão LTZ) e 25% mais rígido. Em contrapartida, a fabricante explica que o conjunto de suspensões do sedã foi “criteriosamente acertado ao gosto brasileiro e às condições das vias locais”. Ou seja, o que deveria ter sido melhorado entre uma geração e outra, devido ao ajuste em prol do conforto, resultou em um comportamento dinâmico confortável para superar as imperfeições do asfalto, porém prejudicou a conectividade do motorista com o carro. Em curvas, a inclinação do carro é bastante sensível, o que diminui a confiança do condutor e afeta a precisão da condução. A própria assistência elétrica da direção é demasiada em velocidades mais altas, outro ponto negativo para o Cruze.
O Audi A3 Sedan, nesse quesito dinâmico, mostra superioridade maior do que a vantagem do Cruze nos números da pista. Guiar o sedã alemão é prazeroso porque ele não abdica da esportividade para entregar conforto aos ocupantes. Seu desempenho em rodovias e estradas proporciona estabilidade e conexão com o motorista exemplares para o segmento, ainda que o sedã tenha passado a rodar com eixo de torção em lugar da suspensão multibraço atrás após sua nacionalização. E o comportamento levemente mais rígido das suspensões do alemão não compromete sua habilidade para superar vias acidentadas com conforto satisfatório.
Outra vantagem do A3 é o trabalho da sua transmissão. Os dois carros utilizam caixas automáticas convencionais de seis marchas, mas o câmbio Tiptronic da Audi efetua trocas mais rápidas e mais suaves do que o GF6 do Cruze. O câmbio do Cruze ainda sofre em algumas situações urbanas retardando trocas ou esticando marchas sem necessidade. Tal vício pode atrapalhar sua eficiência, já que em nossos testes, o A3 Sedan foi 19,5% mais econômico que ele, abastecido com etanol.
O refinamento do A3 é o que apela ao coração do consumidor, enquanto o Cruze tenta persuadi-lo com uma aquisição menos custosa. Neste clássico embate entre “razão e emoção”, só resta a certeza de que o A3 Sedan é um produto melhor, mas não há dúvidas quanto ao potencial do Cruze para incomodar o Audi.
CRUZE EVOLUIU, MAS FALTA REFINO
Se a GM do Brasil conseguiu provar alguma coisa com a segunda geração do Cruze, foi o seu potencial para surpreender. Do visual ao desempenho do motor 1.4 turbo, o Cruze tem qualidades suficientes para colocá-lo no topo de seus concorrentes tradicionais, ao menos por enquanto. Almejar um degrau acima, contudo, ainda é dar um passo maior que a perna. O A3 Sedan é um produto melhor.
A união entre prazer ao dirigir, conforto e eficiência, além das boas soluções de funcionalidade e espaço deixam o alemão acima do novo Cruze. Contudo, entrar no universo premium exige planejamento financeiro. Se o bolso for limitado, os custos de pós-venda da Audi podem torná-lo um pesadelo. Nesse caso, as concessões do Cruze serão compensadas pelo alívio na conta.