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Por inflação e mínimo, carro barateou em dez anos

A discussão sobre os preços de carros zero-quilômetro no Brasil é sempre polêmica. Há quem enxergue ganância das fabricantes na busca de lucro, e também aqueles que culpam a carga tributária elevada e os problemas de logística (o chamado “custo Brasil”). Num ponto, porém, quase todos concordam: carro novo é muito caro no Brasil. Mas é possível olhar essa questão por um ângulo que põe em xeque o senso comum, ao menos parcialmente.

Considerando a inflação medida pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), que calcula o IPC (índice de preços ao consumidor), vários carros entre os mais vendidos no Brasil ficaram mais baratos nos últimos dez anos (2006 a 2016), porque tiveram reajuste de preços menores que a inflação.

Outro indicador que resulta favorável é a razão entre preço do carro e valor do salário mínimo. Os números mostram que o poder relativo de compra do brasileiro cresceu no período, se o produto a ser considerado é o carro.

Evidentemente, se observarmos as tabelas de preços das marcas, é fácil entender a percepção de que o valor dos carros é abusivo. Os chamados carros de entrada, por exemplo, praticamente desapareceram do mercado: há hoje apenas cinco opções abaixo dos R$ 30 mil. Modelos médios partem de R$ 70 mil. Mas, tudo indica, poderia ser muito pior.

INFLAÇÃO
Segundo o IPC/Fipe, a inflação acumulada nos últimos dez anos foi de 72%. Os automóveis, porém, tiveram seus preços aumentados muito abaixo disso nesse período. De acordo com medição da Fipe, a inflação do carro zero em dez anos, foi de 15%. Na tabela que acompanha esta reportagem, são citados nove carros, escolhidos por custarem cerca de R$ 30 mil, ou menos, em 2006. Todos estão em linha até hoje. Apenas o Ford Ka (exatamente o modelo que mais mudou, sendo hoje um carro totalmente novo) apresentou preço corrigido acima dos 72%.

Benefícios tributários (como a isenção de IPI entre 2009 e 2014) ajudaram a segurar, e até mesmo a baixar, o preço dos carros novos. Mas em 2012 o tarifaço sobre os importados e, mais recentemente, a alta do dólar reequilibraram a composição dos preços finais.

Em 2006, o Volkswagen Gol básico custava R$ 24.080. Hoje, vale R$ 34.890. O reajuste foi de 45%. Caso houvesse acompanhado a inflação total do período, o preço de 2016 seria de R$ 41.417, cerca de R$ 6.500 mais caro. 

SALÁRIO MÍNIMO
Um outro cálculo que mostra como, ao menos no papel, ficou mais barato comprar um carro novo é cotejar os preços de 2006 e 2016 com o poder de compra do consumidor — no caso, o valor do salário mínimo, estabelecido anualmente pelo governo. Isso ocorre, basicamente, porque o mínimo foi reajustado em 251% entre 2006 e 2016, muito acima da inflação de 72% e mais ainda da “inflação do carro”.

Há dez anos, o valor era de R$ 350, e neste ano é de R$ 880.

Comprar um Volkswagen Gol básico em 2006, a R$ 24.080, significava gastar nele o equivalente a 69 salários mínimos. Em 2016, o Gol parte de R$ 34.890 e demanda um gasto de 40 mínimos.

EVOLUÇÃO
Um aspecto muito importante é que os carros vendidos hoje são incomparavelmente mais sofisticados e equipados que os de dez anos atrás — e mais seguros também.

O motor de entrada do Gol é hoje o EA211, 1.0 de apenas três cilindros, que produz 82 cavalos com etanol. Dez anos atrás, o motor 1.6 (que equipava o topo da gama do compacto) tinha quatro cilindros e produzia apenas 99 cv com etanol. Airbags frontais e freios com ABS, hoje obrigatórios, eram miragens nesse tipo de carro.    

EXPANSÃO
“Entre 2003 e 2013 houve expansão do emprego e da renda média real, o que possibilitou acesso do consumidor típico a vários bens e serviços que antes não eram comumente consumidos”, afirma o professor da USP (Universidade de São Paulo) André Chagas, coordenador do IPC na Fipe. “
Um caso muito citado é o das viagens aéreas, que ficaram mais acessíveis; mas a compra do automóvel é também um exemplo que pode ser dado tranquilamente”, diz Chagas.

O professor chama a atenção para dois aspectos: primeiro, o automóvel no Brasil ainda é bem mais caro que em outros mercados, devido a impostos, custos logísticos e falhas de mercado (como oligopólios). Segundo, o consumidor médio ter sido beneficiado não significa que todos os consumidores foram beneficiados. É possível até que a renda real de um grupo de pessoas tenha caído no período — apesar da alta significativa do salário mínimo.

Já o consultor Paulo Garbossa, diretor da ADK Automotive, lembra que o carro não pesa sozinho no bolso do brasileiro: “Quando você isola o automóvel, pode-se dizer que ele está mais acessível, mas trata-se de só mais um item nas finanças do consumidor”, afirma. Além disso, manutenção, combustível, seguro e impostos, entre outros gastos ligados à posse de um veículo, aumentaram de valor normalmente no período. 

*Os preços de 2006 citados na reportagem e na tabela foram coletados em edições da revista CARRO daquele ano; os atuais foram buscados nos sites oficiais das montadoras. As informações sobre o IPC/Fipe foram coletadas junto à entidade, e os dados sobre salário mínimo são públicos e estão nos sites do Governo Federal.

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