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Especial: da carroça ao carro autônomo em um século

O pioneiro: o primeiro automóvel patenteado, em 1886

Muito se fala (e já se falou) sobre o futuro do automóvel. Nós, apaixonados por carros, sempre imaginamos como deverá ser o carro do amanhã. Particularmente, tenho medo de ver veículos sem volante, me dizendo com uma voz calma e irritantemente inteligente: “É melhor trafegar a 26,7 km/h, pois assim contribuirei para que os pandas-albinos-das-montanhas-da-China se multipliquem”. Pior é que ele terá razão…

Razão. Isso é o que move a humanidade em direção à evolução e às novas descobertas. É o que nos difere do restante do reino animal — além do polegar opositor, é claro — e o que nos faz perguntar e responder, criar e desenvolver coisas. Mas será que usamos a razão em tudo o que fazemos?

O carro pouco evoluiu desde 1886, quando Karl Benz patenteou a primeira carroça motorizada do mundo. Ela possuía três rodas, um motor a combustão, freios, direção e já era conversível! Dois lugares, compartimento para bagagem e tal.

Charles Darwin formulou a teoria da evolução das espécies ao observar como os animais e as plantas se adaptam às diferentes condições e locais, desenvolvendo habilidades e/ou características para isso. Pois o automóvel foi inventado e adaptou-se no início às nossas necessidades. Logo deixou de carregar somente duas pessoas e passou a ter uma caçamba. 

Poucos anos depois, já tinha quatro rodas e motor movido a gasolina. Já tinha até chicote elétrico para as luzes! Vieram o teto, os faróis, o para-brisa e seu limpador, o motor de partida. Tudo adaptado conforme a nossa necessidade. Em compensação, os motores e a eficiência em termos de deslocamento também acabaram provocando milhões de acidentes, o trânsito engarrafado e a poluição desmedida, enquanto a evolução do carro literalmente parou no tempo.

COMO HÁ MAIS DE UM SÉCULO 
Passados 100 anos, vamos ver como os carros estão: eles possuem as mesmas coisas do início do século passado, só que agora elas são feitas de plástico. O chicote elétrico ficou maior, com mais fios e caixas pretas conectadas, mas continua “burro” como uma lata de goiabada vazia, pesada, cara e cheia de detalhes pouco práticos. As rodas diminuíram, depois aumentaram, e agora estão enormes. Os pneus continuam redondos, feitos  de borracha e ainda precisam do contato com o solo para realizar o seu trabalho. 

A carroceria manteve o nome, só que agora é feita de metal (também “burra”, não faz nada além de conter as outras peças e componentes) e não mais de madeira. O motor continua o mesmo reator químico produtor de barulho, calor e atrito com seus “incríveis” 15% de eficiência! Para você ter ideia, uma bicicleta que custe R$ 500 é capaz de atingir 95% de eficiência (alguns cientistas dizem até que ela possui mais do que 100%). 

Continuando, os vidros, basicamente, são os mesmos descobertos pelos antigos egípcios. Não se defendem de uma pedrinha e não reconhecem quando estão sujos. Se mudam de cor quando muda a luz, não “sabem” como fazem isso.

O automóvel hoje até possui itens para fazer com que os ocupantes não se machuquem com tanta facilidade quanto antes, quando se perdiam as pernas e os dentes em uma colisão a 40 km/h. Assistente de estacionamento, monitor de fadiga, detector de colisão, airbags, freios com ABS, luzes adaptativas etc. Mas todos esses itens são “burros” e pouco colaborativos uns com os outros.

Só que essas afirmações de que o carro que amamos é estúpido só são válidas quando pensamos que ele poderia estar muito mais evoluído tecnologicamente, uma vez que nos apaixonamos por esses objetos burrinhos e convivemos com eles há mais de cem anos. 

Como os nossos veículos poderiam ser se tivessem evoluído como o telefone celular, por exemplo? Ou como a internet? Quando refletimos sobre essa questão, é inevitável nos lembrarmos dos antigos desenhos dos Jetsons. 

Para quem não sabe, em 1962 os desenhistas William Hanna e Joseph Barbera lançaram uma série animada sobre uma família que vivia no futuro e possuía um carro que se transformava em uma maleta de mão, além de poder voar e conversar com seus ocupantes. Imagino como seriam os materiais nanocompósitos de sua estrutura anamórfica polimimética e seus computadores quânticos neurocontrolados. Sem falar no controle antigravitacional e da propulsão iônica! Imaginando como o carro deveria ter evoluído ao longo destes mais de cem anos, vejamos a seguir algumas possibilidades plausíveis de itens e sistemas que os automóveis poderiam incorporar.

Carrocerias orgânicas – O esqueleto humano é uma estrutura formidável. Resistente, durável, regenerável, reciclável e leve. Por que não podemos construir a carroceria monobloco de nossos carros baseada na estrutura óssea dos corpos humanos? Na ficção científica Depois da Terra (After Earth, 2013), Will Smith pilota uma nave que respira. Nota-se a estrutura óssea de seu interior e o seu corpo possui um desenho que lembra o de uma arraia.

Nanocompósitos orgânicos – Hoje podemos recriar partes de nossos corpos utilizando células-tronco com informação genética (como uma instrução de um programa de computador) de modo que elas reajam a essa instrução agrupando-se para originar a parte ou o órgão necessário. Com base nessas instruções, podemos criar um chassi monobloco de material compósito, ósteometálico (estrutura óssea reforçada com metal) ou ósteocarbônico (reforçado com fibra de carbono), cultivado em um meio orgânico. A forma é determinada pela informação no DNA das células ósseas compilado por computador e editado conforme modificamos o modelo do carro que pretendemos criar. 

As células reagiriam a essa informação e poderiam formar a estrutura orgânica com a dureza que se desejar, além de permitir a criação de dutos para a passagem dos chicotes e de locais para fixação de parafusos dos demais componentes. Se houver alguma ruptura, basta instalar uma tala e em pouco tempo o conserto estará calcificado novamente. 

Ainda será possível utilizar o processo de manufatura aditiva, ou impressão 3D, como se tornou popular, para reparar o local danificado ou mesmo para criar toda a estrutura orgânica. Essa tecnologia, que já está bastante difundida chama-se bioimpressão. Acrescente-se um sistema nervoso simples e podemos dar adeus ao arcaico sensor de estacionamento! 

Manufatura aditiva / impressão 3D – A impressão 3D adquiriu uma dimensão sem precedentes quando se tornou popular na internet, com dezenas de projetos de fonte aberta em que qualquer pessoa que já tenha montado um quebra-cabeça poderia ter a sua própria impressora em casa. Dessa forma, centenas de projetos novos, ideias e materiais se tornaram populares, de bonecos com a sua própria aparência, até peças complexas como um conjunto de engrenagens que já surgem prontas.

Há pouco mais de cinco anos, um protótipo em 3D demoraria dias para ficar pronto e teria um preço muito elevado. Hoje, está funcional em algumas horas a um custo baixíssimo. Isso possibilitou a fabricação em série de peças e componentes para diversas aplicações. É possível imprimir em diversos tipos de metais, com diferentes acabamentos. As impressoras já existem há muito tempo, mas bastou surgir a necessidade de se criar peças mais complexas para que tudo deixasse o campo da imaginação para virar realidade em tempo recorde.

O chassi de um veículo é mais do que apenas aquela base com duas grandes longarinas de aço na qual a carroçaria era fixada antigamente. Hoje, ele incorpora elementos da suspensão, sistemas de direção e de freios, linhas de combustível, tanque, sistemas de refrigeração e outros componentes, além, é claro, da própria carroceria. O conjunto é chamado, há um bom tempo, de monobloco. Mas, infelizmente, não conseguiu evoluir na medida certa para ser de fato algo “do futuro” no presente.

Há pouco mais de 40 anos, o cientista Hanns-Peter Boehm descobriu um material chamado grafeno, baseado em carbono puro, constituído de uma rede cristalina de carbono tão forte quanto a do diamante e relativamente fácil de se obter. Entre as suas vantagens, está o fato de ser duzentas vezes mais forte que o aço, além de ótimo condutor de eletricidade e quase transparente. Ele pode ser usado para criar estruturas automotivas leves e extremamente duráveis. 

Este artigo é parte de uma série sobre a evolução dos carros. Aguarde os próximos capítulos!

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