Veja quais são os custos do carro no Brasil

Em nenhum país do mundo o automóvel é tão caro quanto no Brasil. Vamos citar só dois exemplos para ilustrar os valores. Um Honda Civic é vendido nos Estados Unidos a partir de US$ 18.390, o equivalente a R$ 41.560. Por aqui, o mesmo modelo fabricado em Sumaré (SP) não sai por menos de R$ 65.890. Mais um caso: sabe quanto custa um Impala, sedã grande da Chevrolet, nos Estados Unidos? A partir de US$ 26.910 – o equivalente a R$ 60.800, o suficiente para comprar no Brasil um Sonic Sedan (R$ 61.096), sedã compacto que a marca traz do México.

Os preços exorbitantes dos carros no Brasil não obedecem a uma lógica de mercado. Os automóveis são caros mesmo quando comparamos modelos nacionais e importados com os de outro país da América do Sul. Invariavelmente, nos países vizinhos o mesmo carro custará menos do que aqui, onde ele é feito. Dá para entender?

Há décadas, os fabricantes instalados no Brasil atribuem o preço dos carros à alta carga tributária. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) publica em seu anuário um comparativo dando conta de que o impacto dos tributos sobre automóveis no preço final no Brasil em 2013 foi de 30,4% (levando-se em conta veículos de 1.000 cm³ a 2.000 cm³).

Em outros países, essa mordida é bem menor: 17,3% na Itália e na Espanha, 16,7% no Reino Unido, 16,4% na França, 16% na Alemanha, 9,1% no Japão e 5,7% nos Estados Unidos. No Brasil, ainda segundo a Anfavea, esse percentual é formado por: 13% de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), 12% de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e 11,6% de PIS/Cofins.

A carga tributária cobrada aqui é pesada, mas os especialistas não acreditam que essa seja a única razão de um preço nas alturas. “Os tributos são parte do problema. O presidente mundial da Honda me disse que o Brasil é o país que dá mais lucro para a marca no mundo sem que ele saiba ao certo o motivo”, afirma o jornalista Joel Leite, que já escreveu diversas vezes sobre o que ele chama de “Lucro Brasil”. Ou seja, além de uma série de dificuldades estruturais e burocráticas, que incluem baixa qualificação profissional, logística insuficiente, cara e arcaica, há uma constatação: em nenhum outro país o lucro é tão elevado.

Cartel do transporte

Entre os nós da logística está o fato de que o transporte de veículos é dominado por um cartel. “Algumas coisas aqui são inaceitáveis. Um exemplo é o total controle do transporte interno pelos cegonheiros. Os carreteiros agem como quadrilha quando são ameaçados. Outra coisa: como é possível não existir ferrovias para desovar os estoques dos grandes centros para os portos?”, indaga Joel.

Com base em um estudo do Sindipeças, chegou-se à conclusão de que a margem de lucro sobre os automóveis no Brasil é de 10%, contra 5% na média mundial e 3% nos Estados Unidos, onde o mercado é mais maduro e competitivo. “O preço no Brasil demonstra uma competição baixa, que promove a ineficiência. Provavelmente as montadoras brasileiras têm custos mais altos por conta dessa ineficiência. Um ponto interessante é a competição”, diz Samy Dana, Ph.D em Business e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), especialista em finanças e apaixonado pelo setor automotivo.

“Lucro Brasil”

A experiência do mercado já deixou claro, em várias ocasiões, que há gordura para queimar na margem de lucro. Na crise de 2008, houve sedãs de luxo com o preço caindo de R$ 100.000 para R$ 80.000. A queda não ocorreu só nos carros premium. O Chevrolet Classic teve um lote vendido a uma locadora com desconto de 35%.

Em 2009, os carros chineses começaram a chegar. A Chery podia vender seu QQ com ABS, airbag, sistema de som, ar-condicionado e sensor de estacionamento por R$ 19.900. No entanto, os concessionários fizeram pressão por uma margem mais elevada, e o preço foi fixado em R$ 22.990, o suficiente apenas para desbancar o rival nacional Fiat Mille. Em 2011, foi só a JAC definir o preço do hatch J3 em R$ 37.900 para a Ford imediatamente baixar para o mesmo valor seu Fiesta RoCam, com nível de equipamentos semelhante.

As planilhas de custos de fabricantes é uma caixa-preta. “Ninguém abre os dados”, confirma Dana, que faz uma reflexão: por que, no setor automobilístico, há uma série de incentivos, como a redução do IPI, ausentes em outros segmentos que também movimentam a economia? Simples: toda vez que ele se sente ameaçado, recorre ao governo para lançar algo como o “super IPI”, a alta de 30 pontos percentuais na alíquota.

Foi assim com a vinda dos chineses. E o governo quase fez nova concessão para beneficiar a Kombi, que saiu de linha por não ter condições de oferecer freios com ABS e airbag, obrigatórios desde janeiro. O episódio até produziu uma pérola do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que chegou a afirmar que “a Kombi não é veículo”.

Sempre que a indústria automobilística brasileira se sente em perigo, ela argumenta que, se determinada medida não for tomada, precisará demitir. É possível que aí esteja uma das chaves para explicar por que o carro custa tão caro no Brasil. Mas, no fim das contas, a resposta pode se resumir da seguinte forma: o automóvel é tão caro porque as pessoas ainda aceitam pagar o que cobram.

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