Lá fora, as gotas de chuva deslizam pela janela, enquanto, dentro de casa, o ambiente é daqueles típicos dias de inverno: aborrecido, sem nada de interessante para fazer. Então, o telefone toca, e, do outro lado, vem o convite: Você pode assumir a reportagem sobre o encontro entre Ferrari F12berlinetta e Pagani Huayra na Itália?

Na hora, já me vieram à mente uma mesa com Prosciutto e queijo Parmigiano-Regiano, além, claro, dos esportivos mais potentes com motor V12 do mundo à minha espera, em vez da melancolia de uma escrivaninha. Não me recordo exatamente quanto tempo levei para responder sim à pergunta, só lembro de, em seguida, estar fechando a mala antes de rumar para o aeroporto.

Dois dias depois, às 8h31 da manhã, estou no Autodromo di Modena. Os tenores de 12 cilindros se aquecem rosnando e, mesmo em ponto morto, provocam uma excitação como Tóquio numa noite de sábado. Cada olhar provoca um efeito “Uau!” por conta dos detalhes fascinantes dos campeões de desenvolvimento de carros esportivos. Por exemplo: a chamada Aero Bridge da Ferrari, que, por meio do desenho capô, canaliza o fluxo de ar gerando mais downforce e, consequentemente, melhor estabilidade. Trata-se de uma ideia nascida na Fórmula 1.

Com refinamentos adicionais, a carga aerodinâmica, em relação à do antecessor 599 GTB Fiorano a 200 km/h, deve aumentar de 53 kg para 127 kg! Diferentemente da F40, a preferida dos pôsteres nos quartos de meninos e garotos nos anos 1980, a F12berlinetta não exibe asas ameaçadoras.

Então, um chiado suave desvia a atenção do cavallino. Molas a gás erguem as portas do Pagani de forma tão majestosa como uma águia com suas asas. “Internamente, nós o chamamos apenas de C9”, explica o piloto de teste Davide Testi, quando perguntado sobre o enigmático nome Huayra, que na língua de uma antiga civilização sul-americana significa “Deus do Vento”.

A produção dessa supermáquina — como a de qualquer superesportivo que se preze — é feita artesanalmente, mas é capaz de deixar até os apaixonados de Maranello atordoados. A fábrica fundada por Horacio Pagani, próxima de Modena, precisa de um mês de trabalho meticuloso para criar um Huayra.

Com a sua vestimenta de compósito de fibra de carbono, assim como a mistura de esplendor barroco com alta tecnologia em seu interior, a máquina de dois lugares poderia facilmente preencher o currículo de um semestre de uma escola de arte. Tema da primeira aula: “O painel de instrumentos — design perfeito. Uma escultura de alumínio”. Seus instrumentos mais parecem cronógrafos em prateleiras de joalherias do que portadores de informação de velocidade, rotação, temperatura etc.

Um clique, e é preciso dar uma pausa para os amantes de arte. É a vez dos fãs de esportividade — o semáforo do boxe ficou verde e alguém agora deve ter ficado nervoso no museu da Ferrari.

Com 740 cv, a F12 supera até mesmo a Enzo e é anunciada como o modelo de rua mais potente na história da empresa. O novo motor com injeção direta e 65° de ângulo de inclinação entre as bancadas de cilindros é baseado nos mais avançados propulsores da Enzo e da 599.

Vamos entrar na pista: a gasolina de alta octanagem inunda as câmaras de combustão e o som grave e contido do V12 em ponto morto, transforma-se num grito rouco, de acordo com o aumento da velocidade. Com uma rotação máxima de 8.700 rpm, o motor possui uma taxa de compressão elevada, de 13,5:1 e produz o mesmo ronco de um propulsor de corrida — alta frequência clara, sem a orquestra de ruídos metálicos, como na outra lenda de 12 cilindros, chamada F50.

Som e potência se desenvolvem de maneira agradavelmente uniforme. O desempenho em nível de F1 poderia amedrontar, ainda mais por se tratar de um carro com tração traseira. Mas, na prática, esse temor é coisa do passado, mesmo com o ESP desativado.

Hoje, a F12 exibe muito equilíbrio e, logo após a volta de aquecimento, já registra o seu melhor tempo. A bordo dela, a ilusão é quase perfeita, e qualquer um acomodado no banco do tipo concha poderia ser chamado pelo sobrenome Alonso.

Além do ajuste perfeito da suspensão, a distribuição de peso (46% na dianteira e 54% na traseira), que lembra a de um esportivo médio, também é responsável pela excelente tração. A direção um pouco suave, mas com respostas precisas, bem como a posição baixa do banco lembram a estrela menor da Ferrari, a 458 Italia.

Mas chega de elogios: pilotos mais sensíveis sentem, apesar da agilidade, que a F12 não quer ser um “bólido das ruas”. A suspensão relativamente confortável absorve facilmente as irregularidades do piso cotidiano, mas, em pistas de corrida sinuosas, chega ao seu limite com movimentos perceptíveis da carroceria.

Mas, na pista da Ferrari, em Fiorano, a F12 superou a Enzo por 2s! Apesar de ela ser 70 kg mais leve que a sua antecessora — em parte, graças às novas peças de alumínio —, os seus 1.630 kg de peso não podem ser escondidos. Quem gosta de frear além do ponto é repreendido com uma saída de frente. E, cá entre nós, se você aprecia esse estilo de condução é melhor aguardar a sucessora da Enzo.

É hora, então, de uma parada. Arrivederci F12; benvenuto, Huayra chassi número 1! Esta será uma história para os meus netos. A porta do Pagani se fecha e a cabine me faz lembrar os heróis do grupo C de Le Mans, sem diminuir a sensação de espaço no aperto de carros de corrida.

Ao me acomodar no esmerado banco feito de fibra de carbono revestido de couro, sinto que ele me “veste” como um terno italiano feito sob medida. Em comparação com o F12, o Huayra é mais um esportivo de corrida do que para o dia a dia. Eu me sinto em um andar abaixo. O carro é 10,4 cm mais baixo, 9,4 cm mais largo e quase 300 kg mais leve do que a Ferrari. O motor biturbo de 12 cilindros soa como Pavarotti com sua voz grave em seus tempos áureos.

Já antes, era possível ter ideia do que esse V12 especialmente desenvolvido pela AMG para o Pagani poderia fazer no Mercedes SL 65 AMG Black Series. “A AMG nos sugeriu o V8 do SLS, mas os nossos clientes fazem questão do V12”, contou o piloto Davide Testi.

Lembre-se que um motor de aspiração atmosférica como o da F12 exibe respostas bem mais rápidas. A diferença mínima no desenvolvimento da potência desaparece quando os dois turbos “comprimem” o ar no pulmão de 6 litros. Já a partir de 2.000 rpm com um torque de 102 mkgf, existe uma força disponível que faria inveja a muitos utilitários.

Por meio de um botão no volante, o piloto ativa o câmbio sequencial de 7 marchas da Xtrac. A empresa britânica desenvolveu, pela primeira vez, uma caixa de série para a Pagani. No modo esporte, as marchas são engatadas em 60 milissegundos. Dirigir um Huayra no limite é amor logo aos primeiros metros. Apesar dos 730 cv, com o ESP desativado, o Huayra brilha graças à tração e ao alto nível de aderência dos pneus Pirelli.

Assim, por conta dos pneus esportivos, do menor peso e de um excelente sistema de freio cerâmicos, o Pagani torna a vida da Ferrari F12 em pista de corrida bastante difícil. Além da suspensão parecida com a de um carro de corrida, sua aerodinâmica proporciona excelente estabilidade.

Dependendo da velocidade, do ângulo de esterçamento, da força lateral e da posição do acelerador, dois flapes na dianteira e dois na traseira agem como os das asas de uma aeronave. Mesmo sem cronômetro, a disputa pende para o Huayra.

A Pagani destaca o uso diário do Huayra, mas comprar pão com esta fera pode ser demorado. Os retrovisores salientes ou o espaço diminuto no porta-malas não são o maior problema. “Recentemente, fui parado seis vezes pela policia no mesmo dia. Os guardas queriam uma foto com o carro!”, relata Testi. Ao fim de um dia exaustivo, resta-me procurar um restaurante e provar um bom queijo com presunto!

No Brasil, a Ferrari F12berlinetta é oferecida por R$ 2,9 milhões, enquanto o Pagani Huayra não é comercializado por aqui.

O homem por trás do carro de sonho 

Nascido em Casilda, cidade da Província de Santa Fe (Argentina), em 1955, Horácio Pagani mudou-se para a Itália quando tinha 28 anos. Em 1984 começou a trabalhar na Lamborghini como especialista em fibra de carbono. Em 1992, fundou a Pagani Automobile e construiu o primeiro Zonda. Por meio de uma parceria com a AMG (divisão esportiva da Mercedes-Benz), Pagani utiliza os motores V12 da empresa alemã. 

Fichas Técnicas

Pagani Huayra

Velocidade máxima: 370 km/h; cilindrada 5.980 cm³; 0 a 100 km/h em 3s3. 12 cilindros; 730 cv e 102 kgfm. Peso: 1.350 kg.

Ferrari F12berlinetta

Velocidade máxima: 340 km/h; cilindrada 6.262 cm³; 0 a 100 km/h em 3s1. 12 cilindros; 740 cv e 75,5 kgfm. Peso: 1.630 kg.

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